Ginastas abusadas por médico recebem 336 milhões de euros

Larry Nassar foi médico da seleção americana de ginástica durante 20 anos e chocou o Mundo depois de admitir mais de uma centena de acusações por abuso sexual. Esta terça-feira, as vítimas chegaram a um acordo judicial compensatório de 336 milhões de euros com a federação e o comité olímpico EUA.

A primeira denúncia foi em 1994., quando uma atleta se queixou de ter sido abusada sexualmente por Larry Nassar. Mas, dois anos depois, o acusado foi promovido a coordenador médico da equipa de ginástica dos Estados Unidos, nos Jogos Olímpicos de Atlanta, e o caso foi abafado. Em 1998, foram apresentadas mais duas queixas. Dois anos depois, mais uma, com Rachael Denhollander, na altura com 15 anos, a queixar-se de ter sido abusada durante um tratamento a um problema nas costas. Nada foi feito. Em 2014, outro testemunho, de uma antiga estudante, que até levou a Universidade de Michigan State a abrir um inquérito. Mas Nassar foi absolvido de todas elas. E ainda ficou, a seu pedido, como médico da ginástica artística feminina.

Larry Nassar era casado – divorciou-se em 2017 -, descrito como uma pessoa amável e pai de três filhas. O médico terminou a licenciatura em 1995 na Universidade de Michigan com especialização em cinesiologia (análise dos movimentos do corpo humano) e, depois de um estágio, começou por trabalhar com equipas de futebol americano e atletismo. Depois, fez um mestrado e começou a trabalhar com John e Kathryn Geddert, que abriram o Twitstars USA Gymnastics Club, em Michigan, no ano de 1988.

Era visto como o melhor conselheiro para quem quisesse seguir o sonho de ser ginasta. Mas acabou por se revelar um monstro, depois de centenas de atletas o terem acusado de abuso sexual. Acusações que admitiu serem verdade. Foram ouvidas 89 testemunhas, entre eles nomes como Simone Biles, única vítima que continua a competir, e o caso chocou o país e o mundo. Ainda mais quando ficou provado que muitos tinham fechado os olhos, apesar das queixas.

Tiffany Thomas López, por exemplo, uma jogadora de softbol da Universidade de Michigan State, queixou-se a vários treinadores e às autoridades. Nunca ninguém fez nada. Brianne Randall disse ter denunciado o caso à polícia mas disseram-lhe que devia estar a fazer confusão. Amanda Thomashow apresentou queixa e nada foi feito. “A Universidade de Michigan State, que amava e em quem confiava, teve a audácia de me dizer que não sabia a diferença entre abuso sexual e procedimentos médicos”, afirmou.

Simone Biles também culpou o sistema por todo este caso: “Um sistema inteiro, desde a Federação de ginástica dos Estados Unidos ao FBI, permitiu e perpetrou. Não quero que nenhum outro jovem desportista olímpico ou nenhum outro indivíduo sofra o horror que eu e centenas de outras suportaram e continuam a suportar”, vincou.

Houve casos de depressão, de stress pós-traumático, de ataques de pânico, e de suicídio (pensado ou consumado), como o caso de Chelsea Markham, que tinha apenas dez anos e o sonho de ser ginasta quando, na primeira vez que visitou Larry Nassar, contou à mãe que o médico lhe tinha colocado os dedos sem luvas na vagina e a obrigou a prometer que não diria nada a ninguém. Chelsea acabou por deixar a ginástica aos 14 anos. Entrou em depressão. Suicidou-se em 2009, com 23 anos.

A reportagem que levou ao julgamento

Até que, em 2016, tudo mudou e as vítimas começaram a ser ouvidas. A 4 de agosto, o “The Indianapolis Star” publicou uma longa reportagem de investigação chamada “Out of Balance”, na qual eram pela primeira vez denunciados abusos sexuais no mundo da ginástica do país. E no dia em que a reportagem foi tornada pública, o jornal recebeu um e-mail de Rachael Denhollander, a contar os mais de dez anos de abusos que sofreu por parte do médico. Uma semana e meia depois, o advogado John Manly, que representava a ex-olímpica Jamie Dantzscher, ligou para informar que ia colocar um processo por suspeitas sobre a conduta do médico. A seguir, foi Jessica Howard, campeã nacional de ginástica rítmica, a tomar uma posição.

Nassar negou tudo após Denhollander ter apresentado uma queixa criminal, alegando, em entrevista à mesma publicação, que os seus métodos “estavam a ser mal compreendidos”. Mas nesta altura, Universidade de Michigan State dispensou-o, invocando um protocolo que tinha sido definido após a queixa de 2014 onde era obrigado a usar luvas e ter sempre uma enfermeira no gabinete. Em 2016, Larry Nassar vai a tribunal e acaba por ser condenado a 60 anos, por causa de outro processo relacionado com pornografia infantil. E “os métodos mal compreendidos” acabaram por se tornar confissões em tribunal, com o médico a admitir todos os crimes e a corroborar as já muitas acusações das ginastas.