Na segunda-feira, rei emérito de Espanha, Juan Carlos, anunciou a sua saída do país face à “repercussão pública” no âmbito das mais recentes revelações que o envolvem em episódios de corrupção. O dia marcou o fim da era de um monarca que passou de salvador da democracia a desprezado.“Dada a repercussão pública que alguns acontecimentos do passado da minha vida privada estão a gerar, desejo manifestar-te a minha mais absoluta disponibilidade para contribuir para facilitar o exercício das tuas funções, com a tranquilidade e o sossego que a tua grande responsabilidade exige. O meu legado e a minha própria dignidade como pessoa assim mo exigem”, escreveu Juan Carlos numa carta enviada ao seu filho, o rei Filipe VI.
A carta apenas formaliza e concretiza um afastamento que já era evidente e esperado e marca o fim da era de Juan Carlos.Nascido em Itália, durante o exílio do seu avô, o rei Afonso XIII, Juan Carlos foi nomeado como futuro rei em 1969, pelo ditador Francisco Franco. Assim como Filipe VI se distanciou do pai, Juan Carlos também se afastou do seu, Don Juan, conde de Barcelona, que renunciou ao seu direito dinástico por ordem de Franco, que temia que Juan revertesse o regime franquista devido a diferentes pontos de vista políticos.
Franco designou assim o filho, Juan Carlos, como seu sucessor, pois acreditava que seria mais provável que o monarca, educado sob o regime de Franco, continuasse leal ao Estado franquista.
No entanto, depois da morte do ditador, Juan Carlos foi proclamado rei em 1975, sob o juramento de restabelecer a democracia e ser “rei de todos os espanhóis”. Juan Carlos viria a liderar a transição do regime franquista para a democracia parlamentar, conseguindo consenso entre os partidos políticos e conquistando a popularidade entre os espanhóis.
A 27 de fevereiro de 1981, o monarca vestiu o uniforme de capitão-general e impediu uma tentativa de golpe de Estado, alcançando assim um poderoso prestígio.
Da ascensão à queda
No entanto, o monarca viria o seu percurso a passar da ascensão à queda, remetendo a sua imagem em que envergava o uniforme militar naquela noite de 1981 a meras memórias do passado.
Juan Carlos viria a ser envolvido em várias polémicas, que passavam desde relacionamentos extraconjugais a escândalos financeiros.
Quase desde o início do seu reinado, Juan Carlos era conhecido por diversos casos de infidelidade para com a sua mulher, Dona Sofía, tendo a imprensa chegado a reportar que o casamento dos dois teria chegado ao fim poucos anos após a união. Vários nomes foram remetidos a possíveis amantes do monarca, mas o mais notório fora o da empresária alemã Corinna Larsen. O início do relacionamento remontará a 2004 e surgiram inclusivamente notícias de que o rei estaria disposto a divorciar-se de Sofía, sob pressão de Larsen para se tornar rainha de Espanha.
O episódio de caça no Botswana, em 2012, marcaria o início do desmoronamento do legado do monarca e a mensagem não podia ser mais incontestável: enquanto a sociedade espanhola sofria os efeitos devastadores da crise económica, o chefe de Estado caçava elefantes em África.
Dois anos depois, em junho, Juan Carlos despedia-se de 39 anos de trono e abdicava, constituindo a primeira tentativa do monarca em defender a imagem da coroa espanhola.
Apesar de a sociedade espanhola ser tolerante relativamente às infidelidades dos seus governantes, aquilo que não toleravam era roubos à coroa.
A empresária alemã revelar-se-ia uma difamadora do rei, revelando diversos casos de corrupção que envolvia o monarca. Há dois anos foram reveladas gravações comprometedoras que indicavam que Corinna Larsen estaria a ser usada como testa de ferro para branquear património de Juan Carlos. Nos últimos meses têm surgido mais informações que ensombram ainda mais a imagem de Juan Carlos e são agora o motivo do seu exílio, numa segunda tentativa de salvaguardar a monarquia.“Há um ano, expressei-te a minha vontade e desejo de deixar de exercer atividades institucionais. Agora, guiado pela convicção de prestar um melhor serviço aos espanhóis, às suas instituições e a ti como Rei, comunico-te a minha ponderada decisão de ir viver para fora de Espanha”, escreveu ainda o rei Emérito na carta enviada ao filho.
No último mês, a imprensa espanhola publicou dois documentos que comprovam que Juan Carlos recebeu 65 milhões de euros do rei saudita em 2008, quando ainda era sobreano. O dinheiro estaria guardado numa conta bancária na Suíça em nome de Corinna Larsen.
Este é mais um indício de corrupção de que o rei emérito é suspeito e motivou uma investigação por parte do Supremo Tribunal de Espanha. Face aos escândalos em torno do pai, Filipe VI abdicou em março da herança a que tinha direito e retirou a Juan Carlos a pensão de cerca de 200 mil euros por ano.
Com destino à República Dominicana
Na carta agora enviada a Filipe VI, Juan Carlos apenas diz que vai sair do país, não revelando pormenores sobre o seu destino. No entanto, a imprensa espanhola avança que o rei emérito irá instalar-se provisoriamente na República Dominicana, onde vive o multimilionário Pepe Fanjul, migo de Juan Carlos.
O jornal espanhol La Vanguardia adianta que Juan Carlos abandonou Zarzuela no domingo e passou a noite na cidade de Sanxenxo. Na manhã de segunda-feira terá viajado até Portugal, à cidade do Porto e de lá seguiu para a República Dominicana.
De acordo com o jornal, Juan Carlos ficará alojado temporariamente na Casa de Campo, um resort onde o rei emérito se terá refugiado em 2014.