Uma passageira alega que foi vítima de assédio por parte de um revisor da CP por causa do decote, durante uma viagem. Empresa instaurou um processo disciplinar ao funcionário, que não quis falar.
Há anos que Sara Sequeira, de 28 anos, faz a viagem entre o apeadeiro de Carrascal-Delongo e Tomar, no distrito de Santarém, e nunca lhe tinha acontecido tal situação. Na sexta-feira, já depois das 16.30 horas, foi abordada por um revisor da CP – Comboios de Portugal que, depois de lhe cobrar bilhete, teceu um comentário sobre a roupa e os seios.
“Além de demorar imenso tempo a cobrar-me, porque esteve sempre a olhar para o meu peito, depois de me dar o troco ainda disse: ‘Ainda bem que não está frio porque senão as suas mamocas ainda se constipavam'”, começa por explicar a jovem de 28 anos.
Perante a observação do homem ao vestido verde com decote que envergava na altura, a modelo “plus size” da agência “Face Models” ficou sem reação. Decidida a não guardar para si o que lhe aconteceu, Sara ligou à mãe e depois dirigiu-se à Estação Ferroviária de Tomar para escrever no livro de reclamações. Mais tarde, tentou também apresentar queixa na GNR local, ao que lhe terão dito que só iria conseguir formalizar esta segunda-feira.
O caso ganhou destaque após Sara Sequeira expor a situação nas redes sociais através de um vídeo, que já conta com mais de 190 mil visualizações, só no Instagram. Gravado após escrever a reclamação, as imagens mostram o momento em que Sara se cruza com o alegado assediador na rua e o confronta com o comentário “preconceituoso” e “machista” proferido aquando da cobrança de bilhete. No áudio com pouco mais de um minuto, o funcionário da CP não nega a polémica afirmação e rejeita que tenha magoado a jovem: “Não ofendi ninguém. O que é que eu disse de mal, diga lá? Tratei mal alguém?”, é possível ouvir.
Já sobre a indumentária, o revisor reafirma que Sara estaria vestida de forma provocatória: “No comboio desse jeito? Acha? Há normas para viajar nos transportes públicos. Andar aí com as mamas à mostra no comboio…. Acha que isso é ter decência? Fica a saber que não tem condições para viajar assim. Anda aí a provocar os homens todos. Assim não tem jeito andar aí…”, afirma o funcionário da CP, na gravação.
Segundo o que o JN apurou, o revisor em causa é casado, pastor numa igreja do Entroncamento e já teria sido indicado por um supervisor para o psicólogo da empresa, no Parque das Nações, por motivos que não conseguimos apurar. Contactado, o revisor não quis comentar o assunto: “Peço desculpa, mas eu não vou falar. Não vou adiantar uma palavra sequer. Agradeço a atenção, a disponibilidade e a preocupação. Vai dar tudo certo”, resumiu.
Sara Sequeira foi ouvida esta segunda-feira no depósito de revisão do Entroncamento, após ter pedido na sexta-feira para falar com um responsável sobre a situação. Ao JN, a CP garantiu que está a averiguar situação, “sobre a qual apenas se poderá pronunciar após concluída a averiguação”.
“A CP defende a prática de valores éticos e de integridade pessoal quer a nível interno, quer no relacionamento com terceiros, devendo todos os colaboradores da empresa observar regras de civismo, educação e cortesia nos seus relacionamentos com clientes, colaboradores e público em geral”, acrescenta a empresa num esclarecimento enviado. Mais tarde, em comunicado, a CP revelou ter aberto um processo disciplinar ao trabalhador.
Sara ainda esteve esperançosa que o funcionário lhe pedisse desculpa, mas sem sucesso. Independentemente disso, garante que iria sempre expor a situação, para que outras meninas e mulheres não passem pelo mesmo e para evitar aquilo que diz ser a normalização do assédio. “Estas coisas não são faladas e as mulheres calam-se porque têm vergonha”, disse.