A Ordem dos Enfermeiros Norte acusou hoje a tutela de “fazer uma cortina de fumo” à informação sobre transferências de doentes no Norte do país e descreve “relatos dramáticos” de profissionais de Guimarães, Braga, Famalicão e Tâmega e Sousa.
“Chegaram-nos vários relatos de transferências de doentes do Norte para a zona de Lisboa, o que, para nós, só é compreensível à luz de termos recursos a Norte esgotados ou em vias de esgotar. Estamos a assistir a uma passividade, pelo menos em termos de comunicação, da tutela e da Direção-Geral da Saúde que não se entende. É uma cortina de fumo à informação sobre transferências”, referiu João Paulo Carvalho, em declarações à Lusa.
A agência Lusa solicitou um ponto de situação ao Centro Hospitalar do Médio Ave (CHMA), que inclui o hospital de Famalicão, tendo fonte desse hospital atribuído “eventuais transferências” para outros hospitais à “necessidade de cuidados diferenciados”.
“Famalicão não tem cuidados intensivos pelo que terá sempre, infelizmente, de transferir se o doente entrar em estado crítico. O CHMA [que além de Famalicão tem unidade em Santo Tirso] não está esgotado. Ontem [quarta-feira] tinha 91 doentes covid-19 e capacidade de aumentar respostas”, referiu a mesma fonte.
A secção regional do Norte da Ordem dos Enfermeiros foi Braga também avançou à Lusa que vai pedir esclarecimentos sobre o internamento “num mesmo serviço de cuidados intensivos de doentes covid e não covid-19” no Hospital de Braga.
“Temos de perceber como é que se coloca doentes de diferentes tipologias no mesmo serviço sem aumentar o risco quer para os doentes internados, quer para os profissionais de saúde”, disse João Paulo Carvalho.
Confrontado com esta denúncia, o hospital de Braga respondeu à Lusa que “com o aumento do número de doentes críticos devido à covid-19, foi necessário expandir a capacidade de internamento numa nova área intensiva com separação efetiva entre doentes covid e não covid”.
Em comunicado, esta unidade hospitalar que acolhe hoje 97 doentes infetados com o novo coronavírus em enfermaria e 21 em cuidados intensivos, garantiu que são cumpridas “todas as normas de segurança e distanciamento entre doentes”.
A Lusa contactou o hospital de Guimarães, mas não obteve resposta.
Após descrever que enfermeiros de vários hospitais mostram “cansaço e exaustão”, o presidente da secção regional do Norte da Ordem dos Enfermeiros disse ter conhecimento de que o Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa (CHTS) está a transferir doentes infetados com o novo coronavírus para Lisboa, Coimbra, Aveiro, Braga, Viana do Castelo, Porto, bem como para o hospital da Misericórdia de Paredes, sendo que sobre este último caso, segundo João Paulo Carvalho os relatos são “dramáticos”.
“Foi-nos comunicado oficiosamente que os doentes transferidos para o hospital da Misericórdia de Paredes são doentes que não têm indicação para reanimação em caso de paragem cardiorrespiratória. Precisamos de confirmar que o hospital de Paredes tem serviço de cuidados paliativos e que estes doentes estão a ter todo o tratamento necessário para o seu estado. Preocupa-nos qual é o tratamento que estes doentes estão a ter no seu fim de vida? Não pode valer tudo”, disse o dirigente.
Em causa está centro hospitalar que na semana passada chegou a registar 10% dos internamentos nacionais por covid-19.
À Lusa e sem responder às questões sobre transferências ou sobre o encaminhamento para a Misericórdia de Paredes, fonte do CHTS referiu que hoje este centro hospitalar acolhe 188 doentes covid-19 internados, dos quais 11 estão em cuidados intensivos.
João Paulo Carvalho defendeu uma ação “mais musculada” e para “tentar quebrar cadeias de contágio” na zona do Tâmega e Sousa.
“Estamos neste momento com doentes do Vale do Sousa em todo o país e isso reflete-se na pressão dos hospitais vizinhos”, resumiu.
Também de acordo com dados da secção do Norte da Ordem dos Enfermeiros, os hospitais de Guimarães e de Famalicão “terão atingido o limite das suas capacidades” e “já transferiram doentes para o Santa Maria em Lisboa”.
“Nestas duas unidades hospitalares os serviços de internamento covid-19 estão cheios. Os serviços de urgência têm uma pressão brutal e não têm capacidade de resposta adequada, atempada e com qualidade. As equipas estão altamente deficitárias e esgotadas. Temos relatos de enfermeiros que estão a ficar doentes, que já não conseguem aguentar tantas horas porque lhes estão a ser pedidas horas extraordinárias”, descreveu João Paulo Carvalho.
A pandemia de covid-19 já provocou mais de 1,28 milhões de mortos no mundo desde dezembro do ano passado, incluindo 3.181 em Portugal.