Supremo Tribunal de Justiça concluiu que donos só podem deixar de pagar seguro quando viaturas forem regularmente retiradas de circulação.
O automóvel que permanece estacionado num terreno particular ou na via pública, por o seu dono já não ter saúde para o conduzir ou outra qualquer razão, tem de manter o seguro em dia. Esta é a conclusão a que acaba de chegar o Supremo Tribunal de Justiça, depois de ter questionado o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), por dúvidas sobre a interpretação das diretivas europeias. Em casos futuros, aquela jurisprudência deverá ser seguida pelos tribunais e autoridades.
“O facto de a proprietária do veículo automóvel que interveio num acidente de viação (matriculado em Portugal) o ter deixado estacionado no quintal da residência não a dispensava do cumprimento da obrigação legal de celebração de contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, uma vez que se encontrava apto a circular”, conclui o Supremo, em acórdão de dia 8, de Abrantes Geraldes, Tomé Gomes e Maria da Graça Trigo. O processo em questão teve origem num acidente com um carro de uma mulher que tinha deixado de conduzir, por doença, e imobilizara a viatura no quintal, dando baixa do seguro.
Em 18 ou 19 de novembro de 2006, o filho daquela mulher foi ao seu quarto e, sem consentimento, levou de uma gaveta as chaves do carro, um Rover. Também não tinha carta, mas tirou a viatura do quintal e fez-se à estrada. Pelas cinco horas da manhã, com uma taxa de alcoolemia de 1,77, despistou-se contra uma casa, no Seixal, entre Sesimbra e o Fogueteiro. Ele e a jovem que o acompanhava morreram logo. Outro passageiro morreria no hospital.
O Fundo de Garantia Automóvel (FGA), incumbido de reparar danos causados por veículos sem seguro, indemnizou as famílias dos dois passageiros mortos, mas pediu o reembolso das despesas, cerca de 450 mil euros, à dona do carro e à neta – filha e herdeira do condutor. Após uma primeira condenação das rés, ao pagamento de mais de 300 mil euros, seguiram-se recursos da primeira ré e do FGA. O processo acabou no Supremo, que teve dúvidas interpretativas e questionou (o chamado “reenvio prejudicial”) o TJUE.
DOENÇA NÃO É DESCULPA
A resposta do tribunal europeu chegou a 4 setembro. O TJUE concluiu que o disposto nas diretivas europeias “deve ser interpretado no sentido de que a celebração de um contrato de seguro de responsabilidade civil (…) é obrigatória quando o veículo em causa continua matriculado num Estado-membro e está apto a circular, mas se encontra, unicamente por opção do seu proprietário que já não tenciona conduzi-lo, estacionado num terreno particular”.
Constatando que o Rover não fora regularmente retirado da circulação, o STJ concluiu que a sua dona, independentemente das razões que a levaram a guardá-lo, “não estava dispensada do cumprimento da obrigação de celebrar ou de manter em vigor um contrato de seguro de responsabilidade civil, uma vez que tal veículo se encontrava em condições de ser posto a circular, como veio a ocorrer”.
Mas havia outra questão a decidir: por não ter seguro, a dona do carro deveria ser condenada a reembolsar o Fundo de Garantia Automóvel? Há jurisprudência contraditória sobre a questão, já colocada noutros casos de acidentes com carros sem seguro que foram furtados. Mas o Supremo concluiu que, como o acidente foi causado pelo filho, não poderia ser assacada à mãe qualquer responsabilidade perante os lesados.
Ao FGA resta então pedir o reembolso a “quem tenha a qualidade de responsável civil” pelos danos causados. Mas como esta era de atribuir exclusivamente ao condutor e ele faleceu, transmitiu-se, por sucessão, para a filha, conclui o Supremo.