Cálculo é do PÚBLICO e tem como origem os dados do Portal Base. Autarquia de Barcelos é a que tinha maior volume de negócios com o grupo, das 18 Câmaras alvo de buscas esta quarta-feira
O Grupo Transdev celebrou contratos com 15 das 18 câmaras que foram alvos de buscas na manhã desta quarta-feira no âmbito da Operação Rota Final, de acordo com os dados presentes no Portal Base [plataforma digital que disponibiliza informação sobre a formação e execução dos contratos públicos].
Nos últimos 10 anos, as autarquias investigadas realizaram um total de 158 contratos com empresas do Grupo Tansdev. Maioria dos contratos são referentes a transporte escolar. Barcelos, autarquia também envolvida na “Operação Teia”, é a que tem maior volume de negócios com o grupo.
As empresas do grupo Transdev faturaram um total de 28.163.994,44 euros em contratos com as 18 autarquias da “Operação Rota Final”, nos últimos dez anos. O grupo está a ser investigado por causa de um alegado esquema fraudulento de viciação de procedimentos de contratação pública que levou a Polícia Judiciária a realizar buscas em 18 câmaras municipais da região Norte e Centro esta quarta-feira de manhã.
A investigação envolve contratos de transporte público e transporte escolar, confirmou a Renascença. Não foi possível, no entanto, confirmar que contratos específicos estão em causa nesta operação policial, que teve como objetivo a recolha de provas e que foi desencadeada, em simultâneo, em 50 locais distintos.
Para já, ainda não foram constituídos arguidos, mas a Renascençaapurou que o Ministério Público tem dois alvos principais: o grupo Transdev e Álvaro Amaro, o ex-autarca da Guarda recentemente eleito pelo PSD para o Parlamento Europeu, que é suspeito de ser a figura central na ligação entre as várias partes sob investigação.
De acordo com os dados do Portal Base, que a Renascença recolheu e analisou, entre 2009 e 2019, as 18 autarquias que foram alvo de buscas esta manhã realizaram um total de 158 contratos com empresas que, segundo um documento da Autoridade da Concorrência, pertenciam, em 2014, ao Grupo Transdev. Ao que a Renascença conseguiu apurar, desde que opera em Portugal, o grupo chegou a deter um total de 22 empresas a atuar na zona Norte e Centro.
Atualmente o grupo diz que detém 11 empresas, bem como participações na Internorte, Intercentro, Rede Nacional de Expressos, Renex e Rodoviária do Tejo. Estas últimas não foram incluidas na análise ao dados do Portal Base.
Do total de contratos realizados, que vão desde Março de 2009 a Fevereiro de 2019, os oito mais caros realizaram-se todos com a mesma autarquia: o Município de Barcelos, que recentemente foi alvo de buscas na “Operação Teia” e cujo o presidente da câmara está em prisão domiciliária.
No topo da lista dos contratos mais valiosos está um negócio entre a Câmara de Barcelos e a empresa “Minho Bus – Transportes do Minho, Sociedade Unipessoal, LDA”, referente ao transporte escolar para o ano letivo de 2014/2015. O negócio, para 305 dias, custou aos cofres da autarquia 1.142.483 euros. Se dividirmos o valor inicial do contrato pelo seu prazo de execução, significa que a empresa faturou 3.745,85 euros por cada dia de contrato.
A contratação de autocarros para transporte escolar, representa, segundo os dados disponíveis no Portal BASE, a maior parte dos contratos feitos entre estas autarquias e as empresas do grupo: 95 dos 158 contratos identificados pela Renascença neste portal de transparência pública fazem referência ao transporte escolar na descrição do contrato.
Contactada pela Renascença, a Transdev Portugal limita-se a informar que “está a colaborar com as autoridades, estando disponível para cooperar em todas as diligências necessárias”. No mesmo contacto, a assessoria afirmou que, “de momento, esta é toda a informação que temos a declarar”.
Maior grupo privado de passageiros da Europa tem capital francês
Segundo dados da Autoridade da Concorrência, o grupo Transdev é detido pela sociedade francesa com o mesmo nome, por sua vez controlada pela instituição financeira Caisse des Dépôts, e apresenta-se como o maior grupo de transporte privado de passageiros da Europa, presente em 20 países.
A Transdev “tem atividade no sector do transporte público rodoviário pesado de passageiros, a nível nacional e internacional, através da empresa comum HJT e participadas desta. Já o Grupo Caisse des Dépôts desenvolve, em Portugal, actividades no sector dos seguros, através da CNP Assurances e no sector de engenharia de infra-estruturas, através do Grupo EGIS”.
A Transdev começou a operar em Portugal em 1997, altura em que ganhou o contrato de manutenção e operação do Metro do Porto, por via do consórcio Normetro.
Desde então adquiriu o grupo Caima, a operar no Porto, Braga e Coimbra (2002); a Joalto, empresa dedicada a transporte de pesados de passageiros (2010), operação autorizada em 2008 pela Autoridade da Concorrência; a GESBUS, também dedicada ao transporte público de passageiros, nacional e internacional, com serviços expresso, carreiras urbanas e interurbanas (2009); e a Rodocôa, transporte rodoviário público de passageiros da área interurbana nos percursos da zona do Alto Douro, entre Meda, Penedono, Pinhel, Penela da Beira, Trancoso, Sarzeda e Castaíde (2014).
Em 2016 ganhou o concurso do transporte terrestre e marítimo de Aveiro por 20 anos, onde inaugurou o terminal rodoviário no valor de meio milhão de euros e em 2017 o terminal rodoviário do Campo 24 de Agosto, no Porto. A Transdev detém uma frota de 1.500 viaturas e cerca de 1.900 colaboradores. A empresa diz que em 2017 atingiu um volume de 96,6 milhões de euros.
Suspeitas de favorecimento em contratos e recrutamento de funcionários
Segundo a nota da Polícia Judiciária enviada à redação, “mediante atuação concertada de quadros dirigentes de empresa de transporte público, de grande implementação em território nacional com intervenção de ex-autarcas a título de consultores, beneficiando dos conhecimentos destes, terão sido influenciadas decisões a nível autárquico com favorecimento na celebração de contratos públicos de prestação de serviços de transporte, excluindo-se das regras de concorrência, atribuição de compensação financeira indevida e prejuízo para o erário público”.
A PJ informa ainda que terá havido favorecimento também “no recrutamento de funcionários se terão verificado situações de favorecimento”.
As 18 câmaras municipais alvo de buscas forma as de Águeda, Almeida, Armamar, Belmonte, Barcelos, Braga, Cinfães, Fundão, Guarda, Lamego, Moimenta da Beira, Oleiros, Oliveira de Azeméis, Oliveira do Bairro, Sertã, Soure, Pinhel e Tarouca.
Barcelos é o Município com mais contratos com a Transdev
O Município de Barcelos não figura só no “top” dos contratos mais caros com o grupo em causa. Quando olhamos para o total gasto por município, verificamos que a autarquia liderada por Miguel Costa Gomes foi, entre as câmaras de que foram alvo de buscas hoje, a que realizou um maior volume de negócios com o grupo Transdev: 13 milhões, segundo os dados do Portal BASE analisados pela Renascença.
Segue-se o Município de Lamego (4.813.474,46 euros), e o Município de Oliveira de Azeméis (4.384.474,95 euros). No espectro oposto está a o Município de Cinfães; foi, entre as autarquias alvo de buscas, a que gastou menos dinheiro em negócios com empresas deste grupo.
Quando olhamos para o tipo de procedimento adoptado para proceder a esta contratação pública, verifica-se que o ajuste direto foi o recurso mais usado: quase 9 em cada 10 destes contratos recorreram ao ajuste direto. Nesta forma de contratação pública, os organismos públicos não estão obrigados a abrir um concurso e esperar a melhor oferta, tendo liberdade para escolher a empresa com quem fazem negócio.
A Renascença contactou o grupo Transdev mas não obteve qualquer resposta até ao momento.