As preocupações ambientais chegam também à dieta dos animais de estimação. Um estudo da Universidade da Califórnia alerta para a emissão de gases de efeito de estufa na produção de ração para alimentar cães e gatos. Especialistas portugueses dizem que as conclusões não são realistas e há medidas em curso para diminuir a pegada ambiental.

A polémica está lançada na sociedade civil. A alimentação com carne bovina saltou para as páginas dos jornais, ecrãs de televisão e redes sociais devido à proibição da carne de vaca nas cantinas da Universidade de Coimbra. Os contornos chegam agora à forma como alimentamos os animais de estimação, sobretudo cães e gatos.

Um estudo do investigador Gregory S. Okin, publicado em 2017, lançou o repto para a discussão em Portugal: a alimentação dos animais de companhia pode mesmo prejudicar o planeta? De acordo com o documento, existem mais de 163 milhões de cães e gatos nos Estados Unidos, cuja dieta baseada no consumo de carne provoca uma pegada ecológica significativa.

A quantidade de gases de efeito de estufa emitidos chega a ser tão prejudicial quanto a poluição gerada pela circulação de carros. O número apontado pelo investigador é quase assustador: os animais de estimação produzem tantos gases poluentes quanto 13,5 milhões de veículos.

Em Portugal, o estudo não ficou alheio a veterinários e à indústria da produção de ração animal. “Assumiremos sempre o nosso impacto, isto não é uma questão de moda”, explica Jaime Piçarra da Associação Portuguesa dos Industriais de Alimentos Compostos para Animais (IACA). Embora reconheça o contributo na emissão de gases poluentes, o secretário-geral da IACA explica que o setor não descura da sua responsabilidade social.

Os cálculos do estudo estão essencialmente centrados na alimentação seca para gatos e cães, visto ser a escolha mais habitual dos donos e também a mais barata do mercado, em comparação com os produtos húmidos. No total, a produção de comida para animais produz 64 milhões de toneladas de gases com efeito de estufa em território norte-americano.

“Damos ao mercado aquilo que ele necessita e fazemos com consciência ambiental”, explica Jaime Piçarra ao JN. A fórmula, segundo a indústria, é bastante simples: fazem reaproveitamento de matérias-primas de outros setores agroalimentares, como matadouros de aves e empresas de laticínios, apostam em produtos como os cereais e promovem a “nutrição de precisão”, ou seja, aquilo que verdadeiramente o cão ou gato necessitam para ter mais qualidade de vida.

Cães podem ter refeição “veggie”, gatos não

A maior consciência ambiental na produção de ração animal é tida também como uma garantia para cães e gatos mais saudáveis e curto e longo prazo. Ao JN, o médico veterinário Luís Montenegro não ignora a importância da proteína animal na dieta dos animais de estimação. “Um cão até pode fazer uma ração vegetariana, com aconselhamento médico, mas um gato não. O gato precisa fisiologicamente de proteína animal, caso contrário, pode morrer”, esclarece.

A produção intensiva de ração animal é o principal problema, segundo Luís Montenegro, para os impactos negativos no ambiente. Além disso, os produtos baratos e produzidos em massa de grande parte das marcas podem prejudicar o ambiente, mas também os animais de companhia e de produção (vacas, porcos e aves), aumentando as contas no veterinário. “Passamos de uma situação de subnutrição para animais com obesidade e diabetes”, afirma ao JN.

Uma das questões mais polémicas lançadas pelo estudo norte-americano está na redução do número de animais de companhia nos lares. A consideração é vista por Jaime Piçarra como exagerada e demagógica: “Ter um ou mais animais é da vontade de cada um. Não podemos comparar a realidade dos Estados Unidos com a de Portugal”. Um estudo da GFK de 2017 estimava que dois milhões de portugueses tinham pelo menos um animal de estimação em casa.

Apesar dos números avançados por Gregory S. Okin, a agricultura (onde se inclui a agropecuária) representava apenas 9% da emissão dos gases de efeito de estufa nos Estados Unidos em 2017, segundo dados da Agência de Proteção Ambiental deste país. Na frente das emissões de poluentes, estão a produção de eletricidade (28%) e os transportes (29%).

A Associação Portuguesa dos Industriais de Alimentos Compostos para Animais tem atualmente um projeto-piloto que visa medir o impacto ecológico dos produtos de ração animal. “É uma ferramenta que estamos a desenvolver para mitigar a nossa pegada”, refere o secretário-geral do IACA. .

Para reduzir e apontar soluções para o impacto no ambiente, Luís Montenegro esclarece que as rações podem ser saudáveis, se munidas dos nutrientes necessários para o estado de saúde do animal. O médico veterinário acrescenta que a confeção de alimentos para cães e gatos em casa pode ser uma alternativa. “É preciso tempo e disponibilidade. Não há nada de errado em cozinhar as refeições dos nossos animais de estimação”, conclui.