O futebol não tem regras mercadológicas para estimular a igualdade. Tem, pelo contrário, um ambiente comercial predatório onde os grandes tendem a ser cada vez maiores. As diferenças financeiras e de exposição dos principais clubes brasileiros vai levar a um afunilamento do lote que pode alcançar títulos nacionais. Na Europa, com uma Superliga, poderá mudar a realidade de emblemas que hoje reconhecemos como sendo grandes.
Não é uma previsão de Nostradamus, nem um título para atrair cliques. É uma alteração na estrutura do futebol brasileiro que já está em andamento e que acontecerá gradualmente. O apequenamento de alguns clubes parece inevitável. E na Europa os clubes podem seguir o mesmo caminho, caso se siga a via da criação de uma Super Liga Europeia.
O futebol brasileiro desenvolveu-se entre os anos 30 e 70, principalmente, em organizações e competições estaduais. O tamanho continental do Brasil dificultava a realização de competições nacionais e isso explica a importância dos campeonatos estaduais no país. Nessa realidade regionalizada, os clubes cresceram e tornaram-se muito fortes com os torcedores locais. Com o surgimento dos campeonatos nacionais e a transmissão nacional pelo rádio e televisão de jogos dos clubes do eixo Rio de Janeiro – São Paulo, passaram também a angariar vários torcedores por todo o Brasil.
Portanto, entre os 12 maiores clubes (quatro de São Paulo – São Paulo, Corinthians, Palmeiras e Santos -, quatro do Rio de Janeiro – Flamengo, Fluminense, Vasco e Botafogo -, dois do Rio Grande do Sul – Cruzeiro e Atlético RS – e dois de Minas Gerais – Internacional e Grêmio), muitos deles têm uma base de fãs espalhada por todo o país, principalmente os maiores do Rio e São Paulo. Uma realidade muito diferente da portuguesa, onde três clubes dominam o panorama nacional.
O que faz um clube ser grande? Vitórias e títulos. Tão simples como isto. Os troféus estaduais, muito importantes na sua altura, garantiram o status de grande e a celebração de conquistas durante vários anos. No Brasil, clubes como o Bahia, o Vitória, o Sport ou o Ceará, por exemplo, têm números de torcedores perto dos dois milhões em qualquer pesquisa feita e são muito expressivos regionalmente.
O Botafogo, por exemplo, um dos principais clubes brasileiros nos anos 50 a 70, com craques como Garrincha, Zagallo e Jairzinho, foi 21 vezes campeão carioca. A última delas em 2018. Mas não vence nenhum título nacional há 25 anos e já desceu de divisão duas vezes no mesmo período. E é esse o exato ponto.
Hoje, com uma liga nacional muito forte, os estaduais perderam relevância e vão ser reduzidos. Mas num campeonato de 20 clubes, como o Brasileirão, só existe um campeão a cada ano. E a distância financeira e de organização, entre alguns clubes, fará com que nos próximos anos, dificilmente, teremos um campeão que fuja aos times que têm vencido nos últimos anos (Flamengo, Palmeiras, São Paulo, Corinthians – times de maior receita – ou Santos, Grêmio, Inter e Atlético-MG – clubes de bom retrospeto na formação e organização de bons plantéis).
A tendência é haver uma diminuição da lista de equipas que realmente brigam por títulos para oito, talvez seis, como em Inglaterra. Na Premier League, por exemplo, não é vergonha nenhuma para um torcedor do Everton assumir que o time briga para chegar ao sexto lugar, que qualquer coisa acima disso é um resultado excelente e fora da curva. Isso não diminui o Everton, que é um clube com muito valor histórico, mas que não faz parte dos grandes da Inglaterra, o Big6.
Agora, no Brasil, hoje, é muito difícil imaginar times como o Vasco ou o Botafogo, que hoje brigam contra a descida, acostumarem os torcedores a se contentar com o meio da tabela. Outro caso é o São Paulo, que não vence nada há oito anos e vive uma pressão gigantesca por parte da torcida. No Brasil, o segundo classificado é o primeiro a perder.
Com a nova realidade do mercado de futebol, casos como o do Cruzeiro, primeiro dos 12 grandes a cair e não conseguir retornar à primeira divisão no primeiro ano, não serão únicos. A diferença financeira é muito grande e, mergulhados em dívida, não parece ser muito animador o futuro de Vasco e Botafogo na Série B.
Com o tempo, ainda poderemos chamar estes clubes de grandes? Essa é uma discussão muito mais ampla do que se propõe este artigo e passará por avaliar não só os dados objetivos (resultados, faturação, etc.) mas o papel cultural das equipas. É muito cedo para se ter certeza de algo, mas este processo de redução que estes emblemas vivem não deve ser ignorado.
Olhando para a realidade europeia, a caminho de uma Superliga com os top 20 clubes do continente, as perguntas emergem: será que continuarão a ser grandes, por exemplo, um Arsenal que fique sempre em décimo? Ou um PSG que, ao invés de vencer todos os anos o campeonato francês, se contentará com participar todos os anos numa Superliga?
O futebol não tem regras mercadológicas para estimular a igualdade. Tem, pelo contrário, um ambiente comercial predatório onde os grandes tendem a ser cada vez maiores. É importante pensar neste desenrolar ao avaliar a evolução dos campeonatos mundo afora.