No dia em que Organização Mundial de saúde (OMS) alertou para uma situação “muito preocupante” na Europa e que Portugal ultrapassou a barreira dos mil casos de Covid-19 pela segunda vez consecutiva (1382), a Multinews falou com o epidemiologista Manuel Carmo Gomes, para perceber o futuro que se avizinha.

De forma geral o especialista – que é professor na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e que costumava colaborar com o Governo na elaboração dos planos da Covid-19 – considera que a subida de casos em Portugal não é, para já, preocupante, apesar de estimar que possamos chegar aos 1500 casos já este mês se o Rt aumentar.

Segundo Carmo Gomes, o aumento de casos na Europa não deve ser exemplo para Portugal, porque as circunstâncias são outras, e nesta fase ainda não é altura para recuos, sendo que o mais importante é monitorizar os números de internamentos e acompanhar de perto toda a evolução pandémica.

O segredo é manter medidas básicas

“Esta variante delta é altamente contagiosa, tanto como a varicela ou rubéola. Na prática, isto quer dizer que necessitamos de duas coisas em simultâneo: De uma alta cobertura vacinal e que as pessoas mantenham as medidas mais elementares”, começou por referir.

Essas medidas, concretiza, passam por “distanciamento social, utilização de máscaras em recintos fechados, o arejamento de espaços, etc. Se uma destas falhar o número de casos sobe”, alerta.

“Nós estamos a ter evidências disso, por exemplo, no Reino Unido, onde têm uma cobertura vacinal relativamente elevada e apesar disso resolveram declarar o dia da liberdade a 19 de julho e o resultado está à vista”, afirma.

Segundo o responsável, “nós aqui em Portugal, além de termos uma cobertura vacinal muito alta, não relaxámos completamente. Estamos em situação de alerta, mas ainda temos regras, que são extremamente importantes”, considera.

Por exemplo, adianta, “continuamos a recomendar máscaras em transportes públicos, arejamento de espaços fechados com muitas pessoas, como faculdades”, medidas que “não prejudicam o funcionamento da economia” nem “alteram a nossa vida social, mas que são muito importantes porque retardam a propagação do vírus”.

Portugal pode ter um “ressurgimento” com 1500 casos já este mês

Ainda assim, Carmo Gomes sublinha que “mesmo países como nós com alta cobertura vacinal e com estas medidas, não estamos livres de ter um ressurgimento dos casos, mas contamos com o facto de que agora, as pessoas quando são infetadas, em geral não têm doença grave”.

“Aliás, a esmagadora maioria das pessoas que estão a ser infetadas agora está vacinada, mas mesmo assim contraem o vírus, por várias razões”, ressalva o especialista.

Questionado sobre as estimativas do número de casos para Portugal, nos próximos tempos, o epidemiologista prevê que “se o Rt se mantiver no nível em que está agora (1,05) vamos parar aos 1500 casos até ao fim do ano”.

“Se aumentar, por exemplo para 1,1, devemos ter esses 1500 logo no fim deste mês de novembro. Acho difícil chegar aos dois mil, 1500 não me admirava, mas dois mil acho que dificilmente”, conclui.

Acompanhamento hospitalar é “importante”

Ainda assim, o importante nesta fase, defende, “é o acompanhamento dos internamentos hospitalares. A subida a que estamos a assistir em Portugal ainda é muito suave, é verdade que tem sido contínua, mas não nos preocupa muito que tenhamos muitos casos, desde que isso não tenha pressão sobre o sistema nacional de saúde”, indica.

“Neste momento, já sentimos um pouco a pressão hospitalar. O número de pessoas internadas em enfermaria Covid, na última semana tem vindo a aumentar em todo o país, e é aí que temos que nos focar”, sublinha.

Isto é, “se percebermos que o aumento dos internamentos está a ter uma tendência difícil de travar, temos de começar a pensar em medidas complementares”, defende exemplificando com “a limitação de eventos com muitas pessoas, ou o uso obrigatório de máscara em restaurantes e discotecas”.

“Temos de ir vendo que medidas podemos alterar, prejudicando o menos possível a nossa vida social e a economia. Isso vai depender não tanto do aumento do número de casos, mas mais do impacto hospitalar, que para já, não é preocupante”, afirma. “Não tenhamos a sensação de que a coisa vai ficar fora de controlo, ou aumentar desmesuradamente, nada desse género”, reitera.

Aumento de casos na Europa não é exemplo para Portugal

Para Carmo Gomes a situação de aumento na Europa não deve servir de exemplo para Portugal, “porque a cobertura vacinal é inferior à nossa, liberalizaram muito as medidas de distanciamento e entraram praticamente em total liberdade”.

“Se compararmos o que está a acontecer em Portugal com outros países, não é isso que se passa. Não quer dizer que com o tempo, se tivermos um aumento persistente semana após semana, isso não se reflita”, ressalva.

Adicionalmente, o especialista sublinha a importância de avaliar a velocidade do aumento de casos. “Uma coisa é haver um aumento gradual que vamos conseguindo gerir, outra é um aumento repentino, tudo isso tem de ser tido em atenção e estamos a acompanhar.”, refere.

“Portanto, não se pode excluir a possibilidade de termos de fazer um recuo, na minha opinião ainda não é altura para isso, mas que temos de estar muito atentos, isso temos”, afirma.