Combustíveis são um grande contribuinte para a redução do défice. Imposto sobre o gasóleo subiu todos os anos e o Estado está também a cobrar mais no IVA. Desde 2016, são mais 9 cêntimos por litro.
A fatura fiscal cobrada em cada litro de gasóleo em Portugal subiu 15% desde o início de 2016, ano em que o atual Governo elegeu os combustíveis e os automobilistas como principais contribuintes do esforço de consolidação orçamental. Os preços médios divulgados pela Direção-Geral de Energia e Geologia revelam que os impostos cobrados neste combustível, que representa 80% do consumo total, subiram nove cêntimos por litro. Estes cálculos comparam os valores médios de impostos (ISP e IVA) cobrados em todo o ano de 2015 com os valores médios dos primeiros meses deste ano.
O “enorme aumento de impostos” sobre os combustíveis — recuperando uma expressão do ex-ministro das Finanças, Vítor Gaspar, quando agravou o IRS — foi uma das medidas que marcou o primeiro Orçamento do Estado (OE) socialista apresentado em fevereiro de 2016. Aliás, nem se esperou pela aprovação do OE para aumentar em cinco cêntimos o imposto petrolífero (ISP). Desde então, a carga fiscal sobre o gasóleo tem subido todos os anos. Na gasolina, o agravamento fiscal é mais moderado: ficou-se pelos 6%, equivalente a pouco mais de cinco cêntimos por litro.
Para além do imposto petrolífero, fixado anualmente no Orçamento e que inclui a contribuição rodoviária (para as estradas), a taxa do carbono (Fundo Ambiental) e a taxa para o fundo florestal permanente, os condutores pagam também o IVA, uma percentagem que incide sobre o preço antes de impostos, mas também sobre o imposto petrolífero. Quanto mais sobem as duas primeiras componentes, maior é o IVA cobrado. As contas feitas pelo Observador a partir dos números da Direção-Geral de Energia e da Unidade Técnica de Apoio Orçamental, mostram que o Estado tem vindo a ganhar nos dois impostos no caso do gasóleo. Na gasolina, este movimento foi interrompido em 2017, mas já retomado este ano.
Por trás da maior cobrança fiscal estão duas realidades distintas. A primeira resulta da decisão política de penalizar o imposto petrolífero e, em particular, o combustível mais vendido em Portugal, o gasóleo — invocando no início razões orçamentais, e mais recentemente, argumentos de sustentabilidade e ambientais. A segunda é causada pela subida do preço dos combustíveis nos mercados internacionais, à boleia da recuperação do petróleo. Esta valorização reflete-se no preço antes de impostos e tem permitido dilatar a cobrança de IVA em cada litro de combustível. O saldo tem sido altamente favorável ao Estado e só não é mais, porque entretanto foi criado o gasóleo profissional, que permite reembolsos de imposto para os pesados de mercadorias.
A promessa da neutralidade fiscal
O aumento extraordinário do imposto sobre os produtos petrolíferos cobrado na gasolina e no gasóleo foi uma das medidas adicionais apresentadas em Bruxelas para garantir o cumprimento do défice em 2016. Este foi o primeiro orçamento da chamada “geringonça”, quando havia desconfiança internacional sobre o rumo político da solução governativa e Mário Centeno estava ainda distante da reputação que o levou à liderança do Eurogrupo.
Este agravamento fiscal foi um dos maiores aumentos de impostos sobre os combustíveis desde o início de século e foi justificado com a necessidade de compensar a perda de receita no IVA que estava a ser cobrada nestes produtos. Com a descida do preço do petróleo, e dos combustíveis, a base sobre a qual incidia o IVA também baixou, prejudicando as receitas fiscais.
Na apresentação do Orçamento para esse ano, Mário Centeno, e o então secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade, assumiram o compromisso público de baixarem o imposto petrolífero se a cobrança de IVA recuperasse por via de um aumento do preço dos combustíveis antes de impostos. Era o argumento da neutralidade fiscal que desde logo suscitou muitas reservas na oposição.
Ao longo do ano, o Executivo ainda baixou o imposto petrolífero em cerca de dois cêntimos no gasóleo e um cêntimo na gasolina. Mas, para fazer as contas, usou a evolução do preço de referência estimado pela Entidade Nacional do Mercado de Combustíveis e não os preços finais, que incluem a margem das operadoras sobre a qual incide o IVA. Este método nunca convenceu a oposição e as contas à cobrança de impostos por cada litro de combustível davam razão às dúvidas.
Quando chegámos à discussão da proposta de OE para 2017, o Executivo deu sinais contraditórios na fiscalidade dos combustíveis. Por um lado, voltou a propor um agravamento do imposto sobre o gasóleo, mas aliviou a carga fiscal da gasolina. A diferença foi explicada com uma política de preocupação ambiental, aproximando o peso dos impostos sobre os dois combustíveis, isto porque o gasóleo sempre teve uma fatura fiscal mais leve, porque é o usado pelos agentes económicos, apesar de ser apontado como mais poluente do que a gasolina.
Este novo aumento fiscal acabou por não se sentir no bolso dos consumidores, porque o Executivo aliviou as exigências de incorporação de biodiesel, o que permitiu baixar o preço do gasóleo, acomodando a subida da fatura fiscal. Foi neutral para os consumidores, mas foi favorável para o Estado porque baixou o imposto no combustível que vende menos — a gasolina — e agravou a taxa sobre o combustível que vende mais — o gasóleo.
O ano acabou, a receita subiu e o imposto não baixou
Foi preciso chegar a janeiro de 2017 para os condutores ficarem a saber que a prometida neutralidade fiscal nos combustíveis tinha um prazo de validade: acabou no final de 2016. O Governo tentou convencer que sempre esteve previsto que assim fosse e invocou a aplicação a nível nacional dos descontos do gasóleo profissional — que só chegam aos pesados de mercadorias. Mas, quatro meses mais tarde, ficou claro que nem em 2016 tinha havido neutralidade fiscal. O Estado esteve sempre a ganhar e só em 2016 foram 250 milhões de euros de receita adicional (IVA e ISP) face ao cobrado em 2015, de acordo com os cálculos elaborados pelos técnicos do Parlamento, a UTAO, a pedido da oposição à direita.
O ano de 2016 foi o do grande salto na receita do imposto petrolífero, uma subida que foi inflacionada pela contabilização de imposto nesse ano que era devido no ano anterior, cerca de 120 milhões de euros. Os dados da execução orçamental para 2017 (ainda não existem os números finais da Conta Geral do Estado) apontam para uma estabilização da receita do imposto petrolífero na casa dos 3,3 mil milhões de euros.
Apesar do agravamento do imposto sobre o gasóleo ter mais do que compensado a descida da carga fiscal na gasolina, e em teoria ter beneficiado os cofres do Estado, esse resultado não é visível nos dados da cobrança do ISP. Talvez porque o reembolso pago no gasóleo profissional tenha anulado esse ganho. O Ministério das Finanças ainda não revelou o impacto dos descontos para pesados na despesa fiscal, nem na pretendida recuperação do consumo que estava a fugir para Espanha à procura de imposto mais baixo.
Por outro lado, e apesar de um crescimento mais ou menos constante na procura de gasóleo — em 2017 as vendas subiram mais de 2% — esse efeito tem sido travado pela queda também constante na gasolina, onde o Estado cobra mais por litro. Apesar de ser visível a recuperação do tráfego rodoviário desde 2015, as vendas de combustíveis têm subido pouco, o que pode ter outra explicação, refere o secretário-geral da APETRO ao Observador. António Comprido aponta para o grande aumento nas vendas de automóveis nos últimos anos. Os modelos novos, que substituem os antigos, são mais eficientes e podem representar entre 10% a 15% de diminuição no consumo de combustíveis.
A evolução dos preços do petróleo Brent no último ano
Evolução das cotações do petróleo Brent. Dólares por Barril. Fonte: Bloomberg
O ano de 2018 trouxe mais um aumento do imposto petrolífero, desta vez indexado à inflação, e que não poupou a gasolina, confirmando os combustíveis como alvo preferencial de agravamentos fiscais. Ainda recentemente, o ministro das Finanças atribuiu o aumento da carga fiscal verificado no ano passado ao crescimento da economia e do emprego, o que fez subir a receita do IRS e da Segurança Social, desvalorizando o impacto da política fiscal.
Centeno até exemplificou com a descida do IRS e do IVA na restauração, omitindo os impostos indiretos que subiram — combustíveis, automóvel, tabaco — e novas taxas sobre as bebidas açucaradas e o adicional do IMI para propriedades de alto valor, cujas receitas visam financiar a Saúde e a Segurança Social, a criação de nova derrama sobres os lucros das grandes empresas e a manutenção de contribuições setoriais “extraordinárias”.
O Governo espera novo crescimento na receita deste imposto, mais 6% para 3.555 milhões de euros. O imposto petrolífero lidera as previsões de subida da cobrança fiscal, ao lado de outros impostos sobre o automóvel, como o ISV (imposto sobre veículos) e o IUC (imposto único de circulação).
Mas a principal fonte da maior cobrança fiscal virá do IVA, que está a crescer com o alta do petróleo e dos preços antes de impostos. Para conferir a conta global ao ganho fiscal nos combustíveis, faltam os dados da cobrança do IVA que flutua em função da variação do preço antes de impostos. O Ministério das Finanças já disse que não tem estes valores desagregados e os próprios técnicos do Parlamento tiveram de fazer as contas com base em estimativas de consumo, mas estes cálculos são dificultados pela grande variação na cobrança deste imposto que muda de cada vez que há uma mexida no preço.
O que é inquestionável nos dados oficiais da Direção-Geral de Energia e Geologia ,que mostram a evolução dos preços médios semanais, é a subida do IVA cobrado em cada litro de gasolina e gasóleo que acompanha períodos de valorização do petróleo como o que se verifica desde meados do ano passado. Afinal, foi a descida das cotações do petróleo, iniciada no final de 2015, e o seu impacto negativo na cobrança do IVA que serviu de argumento para justificar o forte aumento do ISP em 2016. Esta segunda-feira, 16 de abril, está anunciada uma nova subida no preço dos combustíveis.
Outro dado para a discussão é a prometida reforma da fiscalidade sobre os combustíveis que deverá avançar este ano. Já foi criado um grupo de trabalho, mas pouco se sabe sobre o que está em causa, para além do que já foi revelado pelo próprio primeiro ministro no ano passado. António Costa apontou na direção da minimização de impactos ambientais, o que sinaliza uma aproximação da carga fiscal do gasóleo à da gasolina.
Isto pode ser feito de duas maneiras — como aconteceu em 2017 — baixando o imposto da gasolina e/ou aumentando o imposto sobre o gasóleo. Atualmente (e com dados do final de março), os impostos representam 62,9% do preço final da gasolina, percentagem que é de 55,7% no gasóleo. Sendo certo que a receita de qualquer agravamento fiscal sobre o diesel será favorável ao Estado dado o enorme peso deste combustível no consumo total.
Mas até essa lógica poderá mudar a prazo. Os dados mais recentes apontam para uma retoma na venda de automóveis a gasolina, em resposta aos escândalos e às restrições anunciadas na Europa para os carros a diesel. Este movimento irá ter consequências nas vendas de combustíveis, rompendo o fenómeno de ‘dieselização’ do mercado que dura há duas décadas. Por isso, é provável que a prometida reforma da fiscalidade não vá aliviar de forma substancial os impostos sobre a gasolina.