Apenas uma das 12 salas de cirurgia está, esta quinta-feira, a funcionar no Centro Hospitalar de São João (CHSJ), no Porto, devido à greve dos enfermeiros dos blocos operatórios.
“Somos gente que cuida de gente” ou “Enfermeiros exigem dignidade” são algumas das frases escritas em faixas que acompanham um grupo de cerca de meia centena de enfermeiros que, esta manhã, está concentrado à porta do CHSJ, no primeiro de um total de 40 dias de greve.
Em causa uma greve com contornos inéditos no país, uma vez que foi convocada por duas estruturas sindicais, embora inicialmente o protesto tenha partido de um movimento de enfermeiros que lançou um fundo aberto ao público que recolheu mais de 360 mil euros para compensar quem adira à paralisação. O movimento denomina a paralisação como “Greve Cirúrgica”.
Enfermeiros de cinco blocos operatórios de hospitais públicos iniciaram hoje uma greve de mais um mês às cirurgias programadas, o que pode significar o adiamento ou cancelamento de milhares de operações.
A agência Lusa solicitou ao CHSJ dados sobre o número de cirurgias programadas para hoje, no sentido de perceber o impacto desta paralisação, mas não obteve informação até ao momento.
À porta do hospital, em declarações aos jornalistas a presidente da ASPE, Lúcia Leite, apontou que, nesta unidade hospitalar, “só está a trabalhar uma sala cirúrgica, de um total de 12 salas”, prevendo uma adesão à paralisação, no somatório de todos os dias de protesto, “senão de 100% de pelo menos 90%”, disse.
“É importante que fique claro que há enfermeiros a assegurar os serviços mínimos de forma a garantir cuidados aos doentes, mas a adesão à greve, uma greve espontânea dos enfermeiros, está a ser muito grande”, disse Lúcia Leite.
Nelson Cordeiro e Sara Rego são dois dos fundadores do movimento “Greve Cirúrgica”. Pouco antes de partirem para o hospital de Santo António, no centro do Porto, onde iam recolher dados sobre a greve e entregar faixas aos colegas concentrados à porta, explicaram que o dinheiro angariado que não venha a ser necessário será doado a uma instituição, mas advertiram que a luta “poderá ser longa”.
“A negociação com o Governo começou em março e ainda não se viram avanços nas principais reivindicações como a progressão na carreira por exemplo”, disse Nelson Cordeiro. Já Sara Rego admitiu que, em cima da mesa, está a possibilidade de “procurar outros fundos de maneio” para “motivar o máximo de colegas a aderir à greve e com esta paralisação mostrar que os enfermeiros estão cansados e precisam de valorização”.
Este é um dos argumentos de Mauro Rosa, enfermeiro há 15 anos, e Sérgio Martins, enfermeiro há 14, que ostentam um ‘pin’ onde se lê “É tempo de dizer basta!”. Querem o descongelamento de carreiras e a valorização da classe.
“O Governo não valoriza os enfermeiros. Estamos há vários anos nivelados pelo nível mais baixo. Não há mecanismos de incentivo e, infelizmente, direta ou indiretamente, isto pode repercutir-se nos doentes”, descreveu Mauro Rosa, tendo Sérgio Martins acrescentado que “existem diferenças entre as várias instituições” e que “faltam critérios iguais para todos e respeito pelos profissionais de saúde”.
Anabela Sampaio trabalha atualmente num centro de saúde, mas, em 23 anos de profissão, trabalhou 15 em hospitais, tendo passado pelo S. Francisco Xavier e Amadora-Sintra, antes de morar no Grande Porto, onde começou a trabalhar no hospital de Gaia.
“Fui acreditando na carreira no nosso país, quis insistir e lutar, mas estou cansada. A minha irmã é enfermeira na Austrália há sete anos e ganha cinco salários mínimos. Diz que não volta e percebo porquê. Eu tenho aqui uma família com quatro filhos e tento acreditar, mas estou mesmo cansada”, disse à Lusa, somando aos anos de trabalho nove de estudos universitários que incluem licenciatura, pós-licenciatura, pós-graduações, mestrado e especialidades.
“Unidos ficaremos de pé. Dividindo-nos cairemos” é outra das frases que se leem nas faixas espalhadas pelos portões do CHSJ, no qual trabalha há 15 anos Paula Sousa com contrato individual de trabalho.
“Faço o mesmo que colegas que têm um vínculo diferente, mas basta-me este contrato individual para não ter uma serie de direitos. E a carga horária é impressionante. Falam da desumanização da saúde, mas se calhar nem sabem que cada enfermeiro pode ter 30 a 40 doentes por dia em internamento para auxiliar. Só pedimos condições dignas, condições para nós e condições para os doentes. Cada cirurgia adiada é culpa do Governo”, concluiu.
A chamada “greve cirúrgica” abrange ainda o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, o Centro Hospitalar Universitário do Porto, o Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte e o Centro Hospitalar de Setúbal.