Há pouco mais de um mês, Mario Cerciello Rega entrava feliz na Igreja de Santa Maria del Pozzo, em Somma Vesuviana, perto de Nápoles – era o dia do seu casamento com Rosa Maria Esilio. Esta segunda-feira, Mario entrou dentro de um caixão, depois de ter sido morto em Roma na madrugada de sexta-feira por dois jovens turistas americanos que lhe roubaram a vida com 11 facadas.
A morte do carabinieri, que tinha regressado ao trabalho depois da lua-de-mel, emocionou Itália, teve implicações políticas com o ministro do Interior Mattteo Salvino a alimentar polémicas de teor xenófobo – porque inicialmente se pensou que os homicidas eram magrebinos – e agora porque foi divulgada uma foto de um dos suspeitos vendado na esquadra de polícia.
Esta segunda-feira o caixão de Rega foi saudado com um longo aplauso pelas muitas centenas de pessoas que quiseram estar presentes no funeral – entre eles governantes como Salvino e outras entidades. O caixão foi envolto na bandeira italiana e transportado em ombros pelos colegas carabinieri, com traje de cerimónia. Muita emoção, mas também revolta pela forma como o polícia foi morto à facada, sem dó nem piedade, por um jovem norte-americano que trouxe a faca dos Estados Unidos até Itália.
Lua-de-mel em Madagáscar, 43 dias de casamento
A família colocou sobre o caixão fotos do vice-sargento com a mulher com quem esteve casado 43 dias e com quem passou uma lua-de-mel de sonho em Madagáscar, o chapéu da ordenança e uma camisa do Nápoles, clube de que Mário era adepto fervoroso.
Ainda no dia 19 deste mês, Mario tinha atualizado a foto de capa na sua conta do Facebook, com uma imagem do dia do casamento, onde surgia ao lado da noiva. A exibir, sorridente, a aliança que tinha no dedo.
“O que aconteceu é injusto. Basta de chorar servos do Estado, filhos de uma nação que parece ter perdido os valores pelos quais sacrificam as suas vidas!”, disse na homilia o bispo militar Santo Marcianò, que também se dirigiu às instituições, convidando-as a tomar Cerciello Rega como exemplo: “Se vocês, os administradores de assuntos públicos, e todos nós, soubermos retirar de homens como Mário o sentido de Estado e do bem comum, a Itália levantar-se-á novamente.”
Americanos são enganados por traficante e roubam-lhe mochila
Tudo se passou na madrugada de sexta-feira. Dois jovens americanos – de 18 e 19 anos – dirigiram-se a um bairro próximo do Vaticano para comprarem cocaína. Quando perceberam que o traficante lhes tinha vendido aspirina, e, irritados por terem sido enganados, regressaram ao local e roubaram-lhe a mochila – voltaram a contactá-lo e em troca do saco exigiram 100 euros e uma grama de cocaína.
Onde entra Mario nesta história? O traficante contactou a polícia italiana dizendo que tinha sido assaltado. E é já acompanhado por dois carabinieri à civil que vai ao encontro dos dois rapazes. É aí que se dá o ataque – 11 facadas que mataram o homem de 35 anos, cumpridos há três semanas.
“Eles fugiram. Ouvi Mario a gritar, tentei salvá-lo ligando para o 118, mas já era tarde demais”, contou o segundo polícia. Apesar de dramáticas tentativas de reanimação, o sargento morria no Hospital Santo Spirito.
A onda xenófoba contra os supostos magrebinos
Rapidamente – e tendo por base as imagens captadas pelas câmaras de vídeo-vigilância – se começou a dizer que os atacantes não eram italianos. Afirmou-se que eram magrebinos. As redes sociais incendiaram-se e Matteo Salvini deitou mais achas para a fogueira ao exigir “trabalho forçado para sempre” para os “dois bastardos”. Os comentários xenófoboss multiplicaram-se.
Até que, horas depois, Elder Finnegan Lee (19 anos) confessou ser o autor do crime, com a ajuda do amigo Christian Gabriel Natale (18). Itália soube então que não era imigrantes mas turistas, americanos e ricos, hóspedes de um hotel de luxo, os responsáveis pela morte de Mario Rega.
A arma do crime – uma faca que tinha vindo na bagagem desde os Estados Unidos – foi encontrada juntamente com as roupas ensanguentadas no hotel que se preparavam para deixar.
Os dois confessaram o crime, fazendo questão de dizer que não sabiam que eram carabinieiri os homens que acompanhavam o traficante – pensaram que era um cúmplice e isso terá levado a que agissem daquela forma violenta.
Foto de detido com os olhos vendados
Ambos foram detidos, suspeitos de homicídio agravado e tentativa de extorsão. Mas enquanto Itália se despedia de Mario Cerciello Rega, o assunto gerava outra polémica: a foto de um dos jovens, Gabriel Christian Natale, com os olhos vendados numa esquadra de polícia, divulgada pelo Corrieri della Sera.
O carabinieri que lhe vendou os olhos já foi transferido para um posto não operacional. E o mesmo pode acontecer aos outros polícias que estavam na sala e não o impediram, bem como aos responsáveis por terem tirado a fotografia que mostra Gabriel com os braços atrás das costas e algemas nos pulsos.
O procurador de Roma, Giovanni Salvi, abriu entretanto um inquérito disciplinar aos carabinieri, mas também para perceber se o sucedido pode inviabilizar os resultado das investigações. Poucas horas depois emitiu um comunicado a assegurar que a investigação foi legal.
A Arma dei Carabinieri já considerou “inaceitável” o que se passou e diz que o jovem americano esteve vendado quatro ou cinco minutos para que não pudesse ver o que se passava na sala, nomeadamente os computadores.
Emiliano Sisinni, advogado do jovem argumenta, contudo, que o tratamento dado a Gabriel nos momentos que precedem o interrogatório “deve refletir seriamente sobre as implicações que isso poderia ter na livre autodeterminação de um suspeito em fazer declarações”.
As declarações de Giandomenico Caiazza, das Câmaras Criminais, vai no mesmo sentido: “Nem mesmo no momento de luto e tristeza pela morte absurda de um carabinieri o Estado pode permitir a existência das suas próprias zonas livres onde as leis não são respeitadas.”
Salvini volta a alimentar a polémica
O ministro do Interior Matteo Salvini fez questão de não ficar à margem da polémica e partilhou a imagem no Twitter: “A quem lamenta que o detido esteja de olhos vendados, relembro que a única vítima por quem temos de chorar é um homem, um filho, um marido de 35 anos, um carabinieri, um servente da Pátria que morreu em serviço às mãos de pessoas que, se são culpadas, merecem pena de prisão perpétua.”