João Pedro morreu de miocardite, após três idas à CUF. Mãe exige justiça

Parecer clínico independente é taxativo. “Os elementos disponíveis permitem admitir a existência de violação das leges artis medicinae”, lê-se no documento.

voz embargada de Fernanda Carvalho e as lágrimas que teimam em inundar os seus olhos não sufocam a ânsia de justiça pela morte do filho, de apenas 17 anos, com uma miocardite não detetada a tempo, no Hospital CUF Descobertas, em Lisboa.

João Pedro Souto morreu há sete meses, no dia 4 de março, mas desde que teve os primeiros sintomas até à fatídica data, passou por 102 longos dias de internamento, sete operações, ventilação e muito sofrimento.

O pesadelo começou uma semana antes de ser internado. Fernanda revela que, na madrugada do dia 15 de novembro de 2019, o filho, na altura com 16 anos, “dormiu mal, sentindo falta de ar, cansaço geral, dor na zona dos rins, respiração ofegante e tosse”. Perante estes sintomas, a família dirigiu-se à urgência pediátrica da unidade hospitalar algumas horas depois, no sábado, dia 16.

Nesse dia, conta a mãe enlutada, João Pedro foi observado por um médico, que realizou um Raio X ao tórax, pulmões e coração, detetando apenas uma “infeçãozinha respiratória”.

36 horas depois, a 18 de novembro, perante a persistência sintomas, Fernanda voltou com o filho à urgência pediátrica da CUF Descobertas. Nessa madrugada, o jovem foi observado por outra médica, que, segundo a mãe, “diagnosticou “uma leve pneunomia”, após realizar novos Raio X, mandando-o novamente para casa.

Cerca de uma semana depois, a 24 de novembro, João Pedro começou a vomitar. Os sintomas agravaram-se e Fernanda dirigiu-se com o filho, pela terceira vez, à urgência pediátrica do mesmo hospital privado. Ao lá chegar, foram atendidos por um médico que, segundo Fernanda, “percebeu que algo de muito errado se passava com o coração do João Pedro”, perante “um aumento global da silhueta cardíaca”.

Nessa altura, já “visivelmente em pânico”, garante Fernanda”, o médico que atendeu a família chamou de urgência um cardiologista que fez alguns exames complementares. O especialista acabava por confirmar o pior cenário. João Pedro tinha uma miocardite, uma inflamação do tecido muscular do coração.

Nesse mesmo dia, o adolescente, que sonhava seguir Engenharia Física Tecnológica, como o pai, foi transferido de urgência para a Unidade de Cuidados Intensivos (UCI) Pediátrica do Hospital de Santa Maria e, três dias depois, perante o agravamento do estado clínico, novamente transferido, desta vez para a UCI pediátrica do Hospital de Santa Cruz, unidade de referência no tratamento de problemas cardíacos.

Já neste hospital, Fernanda diz que fizeram de tudo para ajudar o filho. Mas nem isso fez com que sobrevivesse ou tivesse menos dores. “A negligência [dos dois primeiros médicos que o atenderam, na CUF Descobertas] fê-lo ficar internado 102 dias a lutar, a sofrer, a chorar”, acusa, acrescentando que este não só passou em sofrimento o Natal, como o próprio aniversário e a passagem de um ano, que nunca veio a viver.

A família não se conforma com esse desfecho e, no dia 21 de setembro de 2020, deu entrada no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa com um processo contra a CUF Descobertas e os dois profissionais que atenderam o João Pedro e não diagnosticaram a miocardite.

Antes, solicitaram um um parecer clínico independente, que o Notícias ao Minuto teve acesso e onde o médico é taxativo. “Os elementos disponíveis permitem admitir a existência de violação das leges artis medicinae nos dois atendimentos hospitalares prestados à vítima em 16.11.2019 e em 18.11.2019”.

Confrontado com a situação, o Hospital CUF Descobertas salientou ao Notícias ao Minuto que João Pedro tinha “antecedentes de asma brônquica” e que o “índice cardiotorácico” detetado no dia 24 de novembro “não foi evidente a 16 e 18 de novembro de 2019, não sendo, por isso, identificável, nessas datas, uma patologia cardíaca, além da pneunomia que apresentava”.

Além disso, de acordo com a CUF, “apesar de todo o empenho e experiência dos profissionais de saúde, existem doenças, como é o caso das doenças cardíacas em crianças e jovens, que infelizmente, tendo em conta a sua gravidade, podem ter um desfecho imprevisível”.

Fernanda não se contenta com esta justificação, até porque tem em sua posse relatórios dos raio X, efectuados a 16 e 18 de novembro 2019, emitidos pela própria CUF que identificam o aumento global das dimensões da silhueta cardíaca, e exige justiça. “Não posso nem consigo aceitar que o meu filho não tenha tido uma assistência médica competente, profissional e digna, em pleno século XXI e que dois médicos tenham falhado com o seu juramento. Já que não posso ter a justiça que eu quero, que estes dois médicos sejam responsabilizados pelo que fizeram e que mais nenhum menino sofra o que o meu filho sofreu, que mais nenhuns pais tenham de passar pelo que estamos a passar”, conclui, destroçada.