A Internet do futuro vai revolucionar a forma como experimentamos o mundo real. E, nessa Internet do futuro, os smart contracts vão revolucionar a experiência de consumo. Num cenário de elevada disrupção digital, a pergunta que se impõe é: que história é que eu quero contar?
A Internet do futuro “é aquela que finalmente nos vai permitir explorar o mundo real”. Confuso? Imagine um cenário em que uns óculos de realidade aumentada lhe permitem ampliar a sua experiência de passeio por uma cidade. Assim é mais fácil imaginar como o virtual converge para aumentar a exploração do mundo real. Agora, imagine que, em vez de ir a um site alugar um carro, existe um “contrato virtual inteligente” guardado numa qualquer rede partilhada, onde estão definidas todas as condições de utilização possíveis. Assim, de forma simples e prática evita toda a burocracia de um rent-a-car.
“Há vinte anos as pessoas faziam sites, há dez faziam apps e agora fazem smart contracts”, diz António Câmara, um visionário e chairman do YGroup, convidado de um debate sobre revolução digital no turismo, promovido pelo NEST – Centro de Inovação do Turismo, que decorreu esta terça-feira no auditório Mar da Palha, no Oceanário de Lisboa, sob o mote “What’s Next – Innovating Tourism”, e cujo objetivo foi pensar um dos setores estratégicos da economia portuguesa pela voz e experiência de líderes de outras áreas.
“Tudo aquilo que vai ser importante na Internet do futuro são títulos digitais sobre objetos reais ou virtuais. E esses títulos digitais têm smart contracts associados que definem as condições de utilização, venda ou partilha”, diz Câmara.
E exemplifica: “eu tenho berbequim, crio um NFT [um título digital] sobre o berbequim e esse NFT tem um smart contracts que definem o seguinte: as pessoas do meu prédio, que eu conheço bem, podem usar gratuitamente; as outras pessoas pagam um euro por hora; quem quiser comprar o berbequim paga cem euros”.
No fundo, “eu posso codificar o que vou fazer com entidades reais ou virtuais que estão representadas digitalmente por NFTs e isso vai poder substituir unidades atómicas de rede, os sites tal qual os conhecemos, por conjuntos de NFTs que se podem agrupar e gerir de diferentes formas. Estes smart contracts, associados à blockchain [uma base de dados partilhada e descentralizada que guarda um registo permanente de transações e é inviolável], vão permitir transformar todas estas partilhas e transações sem exigir esforço”.
Para António Câmara, “isto é extraordinariamente importante” e obrigará a repensar muito do que damos à data de hoje por adquirido: “por que raio vou precisar de um carro se posso usar o carro de outros através de um smart contract qualquer?”, questiona.
Esta alteração terá um impacto transversal aos vários setores e à forma como oferecem os seus produtos e serviços — o turismo não será excepção.
Associemos ainda a esta revolução digital a realidade aumentada, virtual e o metaverso, potenciadas pela rede 5G, cuja maior característica é acabar com a latência, o que se traduzirá numa internet mais rápida. Com grandes players no mercado — como Facebook, Google ou Apple — a alavancar estas mudanças, é importante “não transformar o mundo numa loja”.
Segundo o chairman do YGroup “temos de aproveitar essas tecnologias para fazer o contrário e, basicamente, transformar o mundo no nosso bairro, e o nosso bairro ser o nosso mundo. Curiosamente, o que estas tecnologias permitem é passar desta lógica global para uma lógica hiper local, e foi nisso que nós [no YGroup] trabalhámos nos últimos anos”. Por exemplo, “saber como é que podemos valorizar as lojas de bairro e transformar essas lojas de bairro em lojas globais, em vez de fazer o processo oposto, que tem sido o dominante [na utilização destas tecnologias]”.
Para promover o local a nível global, “o fator diferenciador são as narrativas”. “Eu quero contar ao mundo que o senhor Antunes, da minha loja de bairro, com 83 anos, é um curador incrível, com imenso conhecimento acumulado sobre lojas drogarias, alguém único no mundo. Portanto, as narrativas são esta camada em cima da tecnologia que eventualmente faz a diferença”.
O exemplo é no retalho, mas podia aplicar-se a vários casos do setor da hospitalidade.
Quando o 5G e o metaverso nos levarem de Lisboa a Paris sem sair do lugar e os contratos inteligentes revolucionarem a experiência de consumo, a pergunta que o setor turismo deve fazer a si mesmo é: qual é história é que eu quero contar (e como é que isso me vai diferenciar do vizinho do lado)?