Das 18 horas de quarta-feira, às 19h53 de quinta-feira. Este foi o tempo em que Carla Alves foi secretária de Estado da Agricultura. Recorde (tudo) o que aconteceu neste período de tempo.
Foram 25 horas e 53 minutos. O tempo em que Carla Alves foi secretária de Estado da Agricultura do Governo de António Costa conta-se em pouco mais de um dia, mas muito se passou.
O ‘filme’ começou esta quarta-feira, dia 4 de janeiro, cerca das 10 horas da manhã, quando foram conhecidos os nomes dos seis novos secretários de Estado que seriam empossados nessa tarde.
“Na sequência das propostas do Primeiro-Ministro, que aceitou, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, confere, esta quarta-feira, posse no Palácio de Belém, pelas 18h00, aos novos membros do XXIII Governo Constitucional”, podia ler-se numa nota publicada no site da Presidência, onde Carla Maria Gonçalves Alves Pereira surgia como a nova secretária de Estado da Agricultura, por saída de Rui Martinho, por motivos de saúde.
Como previsto, os novos secretários de Estado – assim como os dois novos ministros, João Galamba, com a pasta das Infraestruturas, e Marina Gonçalves, com a Habitação -, tomaram posse, numa cerimónia marcada pelas frases de ‘despedida’ de Pedro Nuno Santos: “Foi um prazer. Agora deem-me descanso. Foram sete anos, foram bons sete anos, mas agora vou ter o meu descanso”.
A notícia e a defesa de Carla Alves (pelo marido)
Já na madrugada desta quinta-feira, pelas 1h30, o Correio da Manhã revelou a sua manchete e, no site, publicou a notícia: “Nova governante com contas arrestadas”. E foi aqui que se abriu o ciclo que viria a culminar na demissão de Carla Alves.
O jornal diário noticiou que a nova secretária de Estado da Agricultura tem várias contas bancárias arrestadas, no âmbito de uma investigação que envolve o seu marido e antigo presidente da Câmara de Vinhais, Américo Pereira.
De acordo com jornal, entre 2013 e 2020, o casal declarou rendimentos inferiores aos montantes que tinha no banco, uma discrepância que foi constatada após ter sido levantado o segredo bancário. O Ministério Público mandou arrestar bens do antigo autarca, num processo que envolve mais de 4,7 milhões de euros.
Em causa estão vários negócios celebrados entre 2006 e 2015, que envolvem também uma sociedade, um empresário e o reitor do antigo seminário deste concelho do distrito de Bragança.
Pelas 12h45, foi o próprio Américo Pereira, marido da nova secretária de Estado da Agricultura, Carla Alves, quem falou. E garantiu que a mulher “não tem rigorosamente nada a ver” com uma investigação do Ministério Público em que o mesmo é visado, e que resultou no arresto das suas contas conjuntas.
“O envolvimento da minha mulher é zero, portanto isto é uma autêntica vergonha”, defendeu, ironizando: “Alguém que seja casado e queira exercer funções, e que o marido ou mulher seja arguido, tem de se divorciar.”
O ‘caso’ no debate da moção de censura no Parlamento
O caso de Carla Alves não ficou por aqui e, no Parlamento, no debate da moção de censura, o Bloco de Esquerda foi um dos partidos que trouxe a polémica com a secretária de Estado da Agricultura à liça.
António Costa chegou mesmo a criticar a líder do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, admitindo que ficou “surpreendido” por ver uma pessoa que “julga” conhecer a defender a demissão de uma mulher do Governo por problemas do marido.
“Neste caso é claro: o MP já investigou tudo, e vou ser eu a substituir-me ao MP? A não ser que a senhora deputada saiba algo que não sei. Vou demitir uma mulher porque o marido foi acusado? Qual é o caso da ética? É ser casada com alguém que foi acusado?“, questionou, atirando que “a civilização no mundo da justiça demorou muito a construir” e não será abalada pelo “populismo de Esquerda”.
A reação de Marcelo e… a demissão
Ainda mal o debate na Assembleia tinha acabado, batiam as 19 horas, estava o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, a comentar a polémica com a governante. “Do ponto de vista do direito não é arguida, acusada… Neste momento, não há nenhum caso de inconstitucionalidade”, frisou o chefe de Estado, assumindo, contudo, que “é evidente que é um peso político negativo”.
“Alguém que tem uma ligação familiar próxima com alguém acusado num processo de uma determinada natureza, à partida, tem uma limitação política“, afirmou ainda o Presidente da República. “É um problema de ónus político, uma realidade que constitui uma limitação política, à partida, para o exercício da função”, fez ainda questão de vincar.
Nem uma hora depois, pelas 19h53, o e-mail chegava às redações. Um (curto) comunicado do gabinete da Ministra da Agricultura e Alimentação dava conta do seguinte: “A secretária de Estado da Agricultura, Carla Alves, apresentou, esta tarde, a sua demissão por entender não dispor de condições políticas e pessoais para iniciar funções no cargo. A demissão foi prontamente aceite.”