O Código do Trabalho vai surgir ‘renovado’ em abril, com a entrada em vigor das alterações promovidas pela Agenda do Trabalho Digno e de Valorização dos Jovens no Mercado de Trabalho, um conjunto de medidas que tem como objetivo melhorar as condições de trabalho e a conciliação entre a vida pessoal, familiar e profissional.
O Código de Trabalho foi alvo de intenso debate entre Governo, partidos da oposição e parceiros sociais durante dois anos, durante os quais foram apresentadas mais de 300 propostas de alterações. Após vários avanços e recuos, o documento final que introduz e modifica mais de 150 normas da lei do trabalho está concluído.
As alterações ao Código de Trabalho foram aprovadas em votação final global na Assembleia da República a 10 de fevereiro último, com os votos favoráveis apenas do PS, a abstenção do PSD, Chega, PAN e Livre e votos contra do BE, PCP e IL.
A entrada em vigor das novas normas está prevista para esta segunda-feira, 3 de abril, primeiro dia útil do mês.
E o que vai mudar?
Teletrabalho
Alargamento do teletrabalho
O direito ao teletrabalho é alargado aos pais com filhos com deficiência, doença crónica ou doença oncológica, seja qual for a idade.
“O trabalhador com filho até 3 anos ou, independentemente da idade, com filho com deficiência ou doença crónica ou doença oncológica que com ele viva em comunhão de mesa e habitação, tem direito a exercer a atividade em regime de teletrabalho, quando este seja compatível com a atividade desempenhada e o empregador disponha de recursos e meios para o efeito”, pode ler-se no novo artigo 166º A do Código do Trabalho.
Despesas de teletrabalho fixadas no contrato
As despesas adicionais relacionadas com o teletrabalho vão passar a estar fixadas nos contratos. “O contrato individual de trabalho e o contrato coletivo de trabalho devem fixar na celebração do acordo para prestação de teletrabalho o valor da compensação devida ao trabalhador pelas despesas adicionais”, sublinha.
Se não houver acordo entre trabalhador e entidade empregadora sobre o valor fixo, consideram-se despesas adicionais a “aquisição de bens e ou serviços de que o trabalhador não dispunha antes da celebração do acordo” assim como “as determinadas por comparação com as despesas homólogas do trabalhador no último mês de trabalho em regime presencial”.
Limite de isenção para despesas com teletrabalho
Vai ficar também definido um valor até ao qual a compensação que as empresas têm de pagar pelas despesas adicionais com teletrabalho ficam isentas de imposto. “É considerada, para efeitos fiscais, custo para o empregador e não constitui rendimento do trabalhador até ao limite do valor definido por portaria dos membros do governo responsáveis pelas áreas dos assuntos fiscais e segurança social”, definiu a proposta.
Saúde
Pedidos de baixas até três dias através da app SNS24
As baixas de até três dias vão passar a poder ser pedidas através do serviço digital do Serviço Nacional de Saúde (SNS24). Sob compromisso de honra, podem ser pedidas até duas vezes por ano, por períodos máximos de três dias. Estes dias não são remunerados, pelo empregador ou pela Segurança Social.
Licença parental do pai passa a 28 dias
A licença parental obrigatória do pai vai passar dos atuais 20 dias úteis para 28 dias seguidos ou interpolados. “É obrigatório o gozo pelo pai de uma licença parental de 28 dias, seguidos ou interpolados, nos 42 dias seguintes ao nascimento da criança, cinco dos quais gozados de modo consecutivo imediatamente a seguir a este”, indicam as novas normas.
Após o gozo da licença de 28 dias, o pai terá ainda direito a 7 dias de licença, seguidos ou interpolados (em vez dos atuais 5 dias úteis), desde que gozados em simultâneo com o gozo da licença parental inicial por parte da mãe.
Alargamento das licenças por falecimento
A licença dos dias de falta pelo pelo falecimento do cônjuge, filho e enteado passa de 5 para 20 dias consecutivos. No caso do falecimento de outros parentes ou afins no 1º grau em linha reta, haverá um alargamento da licença para até 5 dias consecutivos. Vai ser igualmente criada um licença por luto gestacional, que pode ir até aos 3 dias.
Cuidadores informais com direito a trabalhar em tempo parcial
Os cuidadores informais vão passar a ter direito a pedir o regime de trabalho a tempo parcial durante um “período máximo de quatro anos, em regime de horário de trabalho flexível”, não sendo obrigados “a prestar trabalho suplementar”.
Foi também criada uma licença anual não remunerada de 5 dias consecutivos para estes trabalhadores, que tem, contudo, de ser comunicada ao empregador com 10 dias de antecedência, com indicação das datas em que pretende gozá-la.
Lei laboral
Aumento da compensação por cessação dos contratos a termo
O valor da compensação por cessação dos contratos a termo vai aumentar dos atuais 18 dias para 24 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de trabalho. Igualmente aprovaad foi a proposta que aumenta para 24 dias por ano de retibuição e diuturnidades a compensação por cessação dos contratos sem termo.
Aumento das compensações por despedimento coletivo
O valor das compensações por despedimento coletivo e por extinção de posto de trabalho vai passar dos atuais 12 dias de retribuição base e diuturnidades por ano para 14 dias por ano mas apenas nos contratos que forem celebrados a partir da entrada em vigor da nova legislação, não tendo efeitos retroativos.
Empresas que despedem ficam impedidas de recorrer a outsourcing
As empresas ficam impedidas de recorrer a contratações externas durante um ano depois de terem feito um despedimento coletivo ou por extinção do posto de trabalho. A violação desta norma “constitui contraordenação muito grave imputável ao beneficiário da aquisição de serviços”, nota a proposta.
Jovens
Contratos temporários com limite de quatro renovações
O número máximo de renovações dos contratos de trabalho temporário a termo certo vai passar das atuais 6 para 4, a partir de amanhã. “O contrato de trabalho temporário a termo certo não está sujeito ao limite de duração do nº 2 do artigo 148º e, enquanto se mantiver o motivo justificativo, pode ser renovado até 4 vezes.”
Ao fim de quatro anos de cedências temporárias, as empresas serão obrigadas a integrar os trabalhadores nos quadros. Ou seja, passam a ser obrigadas a oferecer um contrato de trabalho efetivo a estes trabalhadores.
Mais: o período experimental para jovens à procura do primeiro emprego e para desempregados de longa duração, atualmente de 180 dias, deverá ser reduzido ou até mesmo excluído, caso a duração do anterior contrato de trabalho a termo, celebrado com um empregador diferente, tenha sido igual ou superior a 90 dias. Nos casos de períodos experimentais iguais ou superiores a 120 dias, o empregador é obrigado a comunicar ao trabalhador a denúncia de contrato com um aviso prévio de 30 dias.
Valor das horas extras aumenta a partir das 100 horas anuais
O valor das horas extraordinárias a partir das 100 horas anuais vai aumentar, de acordo com as alterações à lei laboral.
Assim, o valor das horas extra a partir das 100 horas anuais passa de 25% para 50% na primeira hora ou fração desta, de 37,5% para 75% por hora ou fração subsequente, em dia útil, e de 50% para 100% por cada hora ou fração, em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, ou em feriado.
Estagiários não podem receber menos do que 80% do salário mínimo
Os estágios profissionais passam a ser remunerados no mínimo por 80% do Salário Mínimo Nacional (760 euros em 2023), e as bolsas de estágio IEFP para licenciados são aumentadas para 960 euros.
Desta forma, os estagiários passam a ter um enquadramento na Segurança Social equiparado a um contrato de trabalho por conta de outrem.
Os trabalhadores-estudantes passam a poder acumular o abono de família e as bolsas de estudo com o salário.
Precariedade
Trabalhadores de plataformas digitais passam a ter contrato
Há um contrato de trabalho entre os operadores e as plataformas digitais, como a Uber por exemplo, que irá aplicar-se ao setor do transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados (TVDE), que se verifica “quando, na relação entre o prestador de atividade e a plataforma digital se verifiquem algumas” características.
Porém, a plataforma pode demonstrar que não deve ser considerada o empregador nos casos em que pretenda contestar essa presunção, cabendo depois ao tribunal determinar quem é a entidade empregadora.
Contratação coletiva dá benefícios às empresas
As empresas com contratação coletiva vão poder ser privilegiadas no acesso a apoios ou financiamentos públicos, incluindo fundos europeus, contratação pública e incentivos fiscais.
“O Estado enquadra os incentivos à contratação coletiva no âmbito das suas políticas específicas, nomeadamente através de medidas que privilegiem as empresas outorgantes de convenção coletiva recentemente celebrada e/ou revista, no quadro do acesso a apoios ou financiamentos públicos, incluindo fundos europeus sempre que pertinente, dos procedimentos de contratação pública e de incentivos de natureza fiscal”.
De acordo com a mesma iniciativa, “considera-se convenção recentemente celebrada e/ou revista a que tenha sido outorgada ou renovada no período até três anos”.
Empregadores que não declarem trabalhadores incorrem em crime
Por último, os empregadores que não declarem a admissão de trabalhadores à Segurança Social nos 6 meses seguintes ao início do contrato incorre em crime – a não cumprimento desta lei pode implicar pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias.
É também definido que o recurso sistemático e continuado a recibos verdes passa a ser penalizado. Se houver prova de reincidência na contratação de “falsos recibos verdes”, o empregador poderá perder o direito a candidatar-se, durante dois anos, a concursos públicos, bem como a usufruir de apoios ou benefícios fiscais;
Marcelo promulga sob reserva
O Presidente da República promulgou, no passado dia 22, o decreto da Assembleia da República mas com reservas. Para Marcelo Rebelo de Sousa, o decreto afasta-se “nalguns aspetos, do acordo assinado pelo Governo com os parceiros sociais e consagre certas soluções que podem, porventura, vir a ter no mercado de trabalho um efeito contrário ao pretendido”, apontou.
No entanto, Marcelo salientou “os numerosos aspetos positivos do diploma, bem como que contou com a viabilização de uma larga maioria do Parlamento, referiu. “Promulguei por duas razões fundamentais: porque há outras medidas que são importantes para os trabalhadores e, segundo, porque a Assembleia, quando votou, votou com o PS a favor, mas com a maioria esmagadora da oposição de direita a abster-se, nomeadamente o PSD”, declarou.
Patrões não estão satisfeitos com o novo diploma
Associações patronais de múltiplos setores de atividade apelaram a Marcelo Rebelo de Sousa que avaliasse eventuais inconstitucionalidade da Agenda do Trabalho Digno antes da promulgação do documento.
Em carta, várias associações incritas na CIP – Confederação Empresarial de Portugal – reforçaram o apelo do Conselho Nacional das Confederações Patronais (CNCP), num movimento que juntou cerca de uma dezena de associações, como as da Indústria Farmacêutica (APIFARMA), a de Centros Comerciais (APCC), ou das Indústrias Gráficas e Transformadoras do Papel (APIGRAF), entre outras.
Uma das normas mais polémicas, na ótica do patronato, é a que estabelece que as empresas que efetuem despedimentos coletivos passam a ficar impedidas de recorrer a contratação externa (‘outsourcing’) durante 12 meses para satisfazer necessidades que eram asseguradas pelos trabalhadores despedidos.
A promulgação da Agenda do Trabalho Digno causou uma “profunda desilusão” no Conselho Nacional das Confederações Patronais.
“Além de uma profunda desilusão com esta decisão e posição do senhor Presidente da República e após a aprovação pela maioria do Partido Socialista na Assembleia da República desta medidas, o CNCP está seriamente preocupado com os efeitos negativos para a vida das empresas que irão surgir, tanto a curto como a médio prazo, em particular numa altura tão desafiante e vulnerável para as empresas como aquela que enfrentamos”, lamentou a organização.