A Expo-98, a maior exposição cultural e temática jamais realizada em Portugal, comemora esta segunda-feira um quarto de século, deixando na herança a revitalização de uma área degradada que se tornou numa zona habitacional de elite.
A exposição que há 25 anos chamava a atenção para os ‘Oceanos: Um património para o futuro’, marcou uma reviravolta no desenvolvimento e crescimento da cidade de Lisboa para oriente, teve estatuto mundial, maravilhou os mais de 10 milhões de portugueses e estrangeiros que a visitaram, contou com 143 países e 14 organizações internacionais, e bateu recordes entre 22 de maio e 30 de setembro, – bem já ao nascer do sol de 1 de outubro.
Contudo, também deixou memórias de burlas que culminaram em processos judiciais, como sejam as vendas imobiliárias da Cooperativa Mar da Palha ou dos “paquetes da Expo”, navios arrendados para potenciar a disponibilidade hoteleira da capital portuguesa.
Pontos essenciais que relembram os 25 anos da exposição mundial:
Como tudo começou
O jornalista e escritor António Mega Ferreira e o escritor, tradutor e político Vasco Graça Moura (ambos já falecidos) tiveram em 1989 a ideia de criar uma exposição mundial em Portugal, enquanto estavam ambos à frente da Comissão para as Comemorações dos 500 anos dos Descobrimentos Portugueses.
Autorizado o projeto pelo Governo de então (presidido por Aníbal Cavaco Silva), e apresentado o projeto ao Bureau International d’Expositions, Lisboa acabou por vencer a exposição mundial de 1998, deixando para trás a cidade de Toronto. Mega Ferreira acabaria por ficar conhecido como “o pai da Expo-98”.
Montagem de uma exposição mundial
Para a sua implementação foram escolhidos cerca de 50 hectares na zona oriental de Lisboa, uma área degradada e poluída situada entre Cabo Ruivo e o rio Trancão, zona do Cais dos Olivais onde na década de (19) 40 atracavam hidroaviões e era conhecida como o Aeroporto de Cabo Ruivo.
Nos anos 80 foi um campo de contentores, matadouros e industrias poluentes, estando votada ao abandono.
O projeto designava que toda a exposição mundial de Lisboa teria de ser construída do zero, por forma a ter um aproveitamento pós-evento, para não serem cometidos os erros de Sevilha, em 1992, e a despoluição da zona, bem como a da área industrial junto ao rio Trancão, local onde em agosto deste ano se realiza a Jornada Mundial da Juventude. Ficou apenas a torre Galp, a sul, como memória da anterior época industrial.
A expectativa em torno da exposição foi grande nos anos seguintes — com os mais céticos a dizerem que não iria estar terminada a tempo e que estava tudo preso por cordéis -, mas a 09 de maio de 1998 foi possível realizar um ensaio geral com cerca de 40 mil pessoas, que serviu para identificar situações em falta, como, por exemplo, sombras, bebedouros e locais para descanso.
Do projeto faziam também parte grande obras públicas, com uma nova linha de metro, com sete estações, um interface rodo-ferroviário – a ‘sui generis’ Gare do Oriente, projetada pelo arquiteto espanhol Santiago Calatrava – e a Ponte Vasco da Gama, celebrizada então para o Guinness com a maior feijoada do mundo.
A exposição
A Expo-98 arrancou na sexta-feira solarenga de 22 de maio, com 3.900 convidados VIP recebidos pelo Presidente Jorge Sampaio e uma “enchente” de público que rondou mais de 100 mil pessoas naquele fim de semana, divididas entre a curiosidade das mostras dos pavilhões dos países e dos acontecimentos espetaculares que surgiam ao longo do dia e da noite, como o apocalíptico desfile dos “olharapos” ou o espetáculo de luz e som à meia-noite, o “aquamatrix”, na baia em frente ao Oceanário, considerado atualmente o melhor do mundo.
O simples passear pela Avenida dos Oceanos surpreendia os visitantes pela erupção (de água) dos vulcões ali colocados, ou a grandiosidade das espécies dos cinco oceanos expostas no Oceanário, cujas vedetas maiores eram as lontras Amália e Eusébio e a cria de ambos, a Maré.
O logótipo, que representava o mar e o Sol, foi concebido pelo criativo de publicidade Augusto Tavares Dias e a mascote, o Gil – em homenagem ao navegador Gil Eanes, realizado pelo pintor António Modesto, com base num projeto do estudante José Luis Coelho, num concurso que envolveu escolas de todo o país.
Quanto custava visitar a Expo
O preço dos bilhetes não era barato – variavam entre os cinco contos/dia (25 euros) e os doze contos e quinhentos (62,5 euros) três dias, sendo a noite dois contos e quinhentos (12,5 euros). O passe de três meses custava cinquenta contos (250 euros). Havia também um modelo de relógio da Swatch, o Adamastor com um chip que dava para um dia.
Um passeio de 1,3 quilómetros no emblemático teleférico, junto ao rio, entre a zona sul e norte, custava 500 escudos (2,5 euros).
A Expo em números
Durante os 131 dias da exposição foram batidos recordes, como, por exemplo, cerca de 5.000 eventos musicais, centenas de exposições, 10.023.759 de visitantes, numa média diária de 76 mil, e na última noite estiveram no recinto 386.308 pessoas, das quais 215.198 (55%) entraram depois das 20:00 para assistir aos espetáculos de encerramento que duraram até ao raiar do sol.
A juntar a isto, mais de 1,3 milhões de pessoas visitaram a fragata D. Fernando II e Glória e o navio-escola Sagres, fundeados na exposição náutica.
Passaram pela Exposição Mundial de Lisboa 36 chefes de Estado, 28 presidentes de assembleias parlamentares, 35 primeiros-ministros e vice-primeiros-ministros, 22 vice-presidentes da República e príncipes herdeiros (entre eles o príncipe Rainier do Mónaco e o seu filho Alberto e o atual Rei de Inglaterra, Carlos III) e 354 ministros, vice-ministros e secretários de Estado de todo o mundo.
Nos recordes estão também figuras da governação socialista, apelidados pela agência de notícias da Expo como “Expo-dependentes”, como o atual primeiro-ministro, António Costa, (então ministro dos assuntos parlamentares, com 38 visitas), ministro da Ciência e Tecnologia, Mariano Gago, (14), ministro da Cultura, Manuel Maria Carrilho, (12) e secretário de Estado dos Assuntos Europeus, Seixas da Costa, (10).
O que ficou da Expo-98
Finda a exposição foram mantidos diversos espaços emblemáticos, como a Torre Vasco da Gama, onde na exposição funcionou um restaurante de luxo e atualmente um bar/miradouro e um hotel, o Teatro Camões, o pavilhão da Utopia (pavilhão Atlântico e atualmente Altice Arena), o teleférico, o Oceanário, o Pavilhão do Conhecimento e o Pavilhão do Futuro, convertido no Casino de Lisboa.
Quanto custou a exposição
De acordo com um relatório do Tribunal de Contas de 2000, as múltiplas valências do empreendimento (projeto de construção, acessibilidades, espetáculos, animação, alojamentos, promoção e realização de eventos desportivos e culturais, espaços verdes, entre outros), com base nos registos da Parque Expo e das empresas por si maioritariamente participadas, tiveram um custo global, até final de 1998, de cerca de 421 milhões de contos (cerca de 2,1 mil milhões de euros).
Os processos-crime
O processo relativo a burlas na cooperativa imobiliária Mar da Palha, que tinha como principal arguido o ex-diretor de contabilidade da Expo João Caldeira, acabou com a condenação a sete anos, reduzidos num ano e dois meses por amnistia, por peculato, falsificação agravada, falsidade informática, abuso de poder, apropriação ilegítima de bens do setor cooperativo e burla.
O antigo presidente do Sporting Godinho Lopes e mais três arguidos responsáveis pelo fretamento dos paquetes hotel, acusados de corrupção, foram absolvidos em primeira instância e pela Relação de Lisboa.
Após a exposição
Na zona foram construídos diversos edifícios de habitação e serviços que servem a mais recente freguesia de Lisboa, a do Parque das Nações, que alberga mais de 28 mil habitantes.
Muitos consideram que para ultrapassar a derrapagem de custos da Expo-98, o Plano Diretor Municipal foi alterado para criar mais construção e menos espaços verdes, havendo queixas no mais recente balanço efetuado pela Lusa de que esta zona cosmopolita e cara, criada de raiz, tem falta de serviços básicos, como escolas e um centro de saúde, espaços abandonados como a praça Sony (conhecida pelos concertos) ou mal cuidados, como o Jardim Garcia de Orta, que chegou a receber plantas de várias partes do mundo.