O Ministério Público (MP) considerou que o desconhecimento na fase inicial da pandemia de covid-19 terá condicionado a tomada das melhores decisões para combater um surto num lar de Reguengos de Monsaraz (Évora), em 2020, com 18 mortos.
Esta foi uma das razões que a procuradora Ana Margarida Sebastião invocou no despacho final do inquérito para arquivar a parte dos autos relacionada com a gestão do surto de covid-19 no lar da Fundação Maria Inácia Vogado Perdigão Silva (FMIVPS).
O arquivamento do inquérito pelo MP foi divulgado, na semana passada, pela FMIVPS, proprietária do lar, em comunicado enviado à agência Lusa.
O despacho final do inquérito, datado de 28 de maio deste ano, e no qual a procuradora realçou que o edifício do lar e a sua configuração dificultaram a criação de circuitos distintos e que podiam ter sido tomadas medidas prévias.
Porém, sublinhou, quando o surto eclodiu na instituição, a pandemia de covid-19 estava ainda numa fase inicial e as medidas preconizadas pelas autoridades para o controlo da doença “eram ainda muito exíguas e estavam em constantes mutação”.
Esse desconhecimento na fase inicial da pandemia terá condicionado a tomada das melhores decisões por parte da direção do lar para adaptar as instalações à eventualidade de surgir um surto no seu interior, sustentou.
A procuradora Ana Margarida Sebastião determinou, nesta parte, o arquivamento dos autos por entender que não foram recolhidas provas que permitam imputar à direção do lar a responsabilidade pela propagação da doença e pelas mortes dos utentes.
Já em relação às dúvidas sobre a atuação das entidades públicas e dos profissionais de saúde, o entendimento foi o mesmo. Ou seja, no início do surto no lar, houve “alguma desorganização na implementação das medidas de controlo da infeção”.
Ainda assim, referiu, as entidades e profissionais envolvidas “conjugaram esforços” para implementar as medidas necessárias de forma a evitar o agravamento da situação no lar e “procuraram fazê-lo da melhor forma”.
Apesar de considerar que este surto “tornou evidente a impreparação de todas as entidades” envolvidas, a procuradora do MP disse não ter encontrado motivos para atribuir responsabilidade criminal a dirigentes e profissionais de saúde.
Quanto às acusações de maus-tratos no lar, o MP concluiu que, nesta parte, os indícios da prática de crime não são suficientes, ainda que tenha detetado algumas falhas com reflexo na qualidade dos cuidados prestados aos utentes.
As falhas, pode ler-se no despacho de arquivamento, dizem respeito a eventuais “condutas compatíveis com tratamentos ofensivos ou degradantes de utentes mais dependentes”, mas as referências existentes nos autos são vagas e imprecisas.
Foi também arquivada a parte das suspeitas de propagação de doença contagiosa, as quais estavam relacionadas com a informação de que funcionárias do lar teriam reportado sintomas suspeitos de covid-19 e, mesmo assim, teriam sido incentivadas a trabalhar.
Nesta parte, o MP salientou que não foram reunidas provas suficientes para determinar se alguma dessas funcionárias do lar foi o foco de propagação do vírus SARS-CoV-2 no interior da instituição.
Sobre a morte de uma trabalhadora do lar na sequência da infeção por covid-19, concluiu-se no despacho de arquivamento que o agravamento do seu estado de saúde não resultou por não ter sido encaminhada mais cedo para o hospital de Évora.
Tal como também não foram recolhidas provas que indiciem que os médicos que a assistiram tenham negligenciado os seus sintomas e não tenham tomados as medidas que se exigiam, pelo que esta parte também foi arquivada.
Este surto de covid-19 foi detetado em 18 de junho de 2020 e provocou a morte de 16 utentes, de uma funcionária da instituição e de um homem da comunidade.