Grávidas vão poder escolher como querem ter os filhos

PS quer dar força legal aos chamados planos de parto

Socialistas avançam com proposta que pretende inscrever pela primeira vez na lei a figura do “Plano de Nascimento”, um documento em que a grávida expressa as suas escolhas para o período do parto e pós-parto

O PS apresentou um projeto de lei que vem dar força legal aos chamados planos de parto (ou Plano de Nascimento, o nome usado na proposta que deu entrada no parlamento). De acordo com o texto dos socialistas, o documento a elaborar pela grávida ou pelo casal – num modelo a definir pela Direção-Geral da Saúde – deve ser feito preferencialmente até às 36 semanas de gravidez e deve ser discutido com a equipa médica da unidade onde se prevê que o parto venha a ocorrer, durante uma visita às instalações, que está também consagrada no projeto.

O plano permitirá à futura mãe definir, por exemplo, se quer ou não analgesia epidural (que visa aliviar a dor), ou que métodos não farmacológicos pretende usar durante o trabalho de parto.

Designado “Regime de proteção na pré conceção, na procriação medicamente assistida, na gravidez, no parto, no nascimento e no puerpério”, o projeto tem por objetivo, nas palavras da deputada socialista Catarina Marcelino, “harmonizar um conjunto de direitos da mulher e do casal” ao longo da gravidez e após o nascimento da criança. Neste contexto, o Plano de Nascimento é uma “questão central”. “É dar às mulheres o direito de escolher como é que querem ter os seus filhos”, diz a ex-secretária de Estado, uma das signatárias da proposta. “Trata-se de tornar o parto naquilo que é: numa gravidez de baixo risco é um ato fisiológico”, sublinha ao DN, acrescentando que o objetivo é o dar mais um passo num “caminho de humanização”. Isto numa área, a saúde sexual e reprodutiva, em que “Portugal é um dos países mais avançados do mundo”.

Catarina Marcelino explica que o Plano de Nascimento “só se aplica a partos de baixo risco” e deve ser feito em articulação com os serviços de saúde. No documento a mulher pode definir, por exemplo, “se quer ou não epidural” – uma decisão que não é definitiva, já que pode ser invertida a qualquer momento durante o parto. De acordo com o texto, “a vontade manifestada por parte da grávida ou do casal no Plano de Nascimento deve ser respeitada, salvo em situações clínicas inesperadas que o inviabilizem”. O Plano “deve contemplar práticas aconselhadas pelos conhecimentos científicos, que sejam benéficas ao normal desenrolar do processo do parto”.

Sobre a prestação de cuidados durante o trabalho de parto, a proposta socialista institui que, além de métodos farmacológicos de alívio da dor como a analgesia epidural, “os serviços de saúde devem assegurar métodos não farmacológicos”, como a massagem, técnicas de relaxamento, utilização da água, uso da bola de pilatos, música ou aplicação de calor, de acordo “com as preferências da mulher grávida e a sua situação clínica”.

“Há atos médicos que não podem estar dependentes da decisão das pessoas”

Luís Graça, antigo diretor do serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital de Santa Maria e ex- presidente da Sociedade Portuguesa de Obstetrícia e de Medicina Materno-Fetal, levanta reticências a esta medida. “Existem protocolos que têm de ser seguidos, não se pode adequar um plano específico a cada pessoa”, diz ao DN, exemplificando com o caso dos partos na água. Com exceção do hospital de Setúbal, as unidades hospitalares não estão preparadas: “Não é possível, não há instalações para isso”.

Luís Graça sublinha também que no decorrer do processo de parto, “há coisas que não podem estar dependentes da decisão das pessoas, são atos médicos. A administração de medicamentos é estritamente uma decisão médica”.

Cursos nos centros de saúde em horário pós laboral

O projeto do PS aborda também os cursos de preparação para o Parto e Parentalidade, que “devem envolver uma equipa multidisciplinar”, com uma componente teórica e outra prática e em “horário pós-laboral” e devem decorrer “preferencialmente” nos centros de saúde. Estes cursos devem apoiar a grávida e casal na elaboração do Plano de Nascimento e devem “contemplar a realização de uma visita ao local onde se prevê que o parto venha a ocorrer em articulação com a equipa dessa unidade de saúde” – com quem é então discutido o Plano de Nascimento.

Depois do nascimento, já após a alta hospitalar e durante a primeira semana de vida da criança, a unidade de saúde em que ocorreu o parto “deve garantir um contacto, designadamente telefónico” e com “disponibilidade permanente para que os pais ou outros cuidadores possam esclarecer dúvidas”, seja sobre o recém-nascido ou sobre a condição física e emocional da mãe.

Também neste capítulo, Luís Graça diz concordar com o princípio, mas vê poucas possibilidades práticas de que esta medida se venha a concretizar. “Acho excelente, mas não temos condições para isso. Teria que ser feito pelo menos por enfermeiros [à falta de médicos] e nós não temos pessoal de enfermagem suficiente nem para as necessidades do dia-a-dia”, sublinha ao DN.

Mais atenção ao pós parto

O projeto de lei do PS estabelece ainda que as mães devem ter acesso a planos de recuperação pós parto, em particular nos cuidados de saúde primários, com vista à deteção precoce de depressão pós parto e de síndrome pós traumático.

O grupo parlamentar socialista quer também que o governo aprove, no prazo de 180 dias a contar da entrada em vigor deste diploma, uma “política nacional e respetiva estratégia para a alimentação de lactentes e crianças pequenas”.

O projeto do PS já deu entrada no parlamento, não estando ainda agendado o debate em plenário. Uma vez aprovada na generalidade, a proposta deverá juntar-se a vários projetos e matéria de parentalidade que estão atualmente em discussão num grupo de trabalho parlamentar.