Roger Waters na Altice Arena: Os Porcos não triunfarão

Já lá vão sete anos desde a última passagem de Roger Waters por Lisboa. Na altura, recuperou o lendário espetáculo The Wall, replicado em 219 concertos, assistidos por mais de quatro milhões de espectadores, naquela que é considerada uma das digressões mais rentáveis de sempre da história do rock. Tal como então, a nova digressão tem início em Portugal e outra vez os muitos fãs nacionais deram uma resposta à altura, como se comprova pela rapidez com que o concerto esgotou. Duas horas e meia de música, três de espectáculo. Para o primeiro de dois concertos que dará na Altice Arena, Roger Waters não esqueceu quase nenhum dos temas que o tornaram num gigante – e ainda conseguiu apresentar algumas canções do seu primeiro álbum em 25 anos. Pelo meio, mensagens duras anti-sistema e dois alvos específicos: Donald Trump e o estado de Israel. E a vontade de que os porcos não triunfem.

Por mais que o tempo passe, há sempre artistas cuja teimosia os impede de serem esquecidos. Bem: “teimosia” é capaz de não ser a palavra certa. Experimentemos “perseverança”, “talento” ou “atitude”. Embora “teimosia” também possa ser aplicada a Roger Waters, baixista que durante anos foi a alma e os versos dos Pink Floyd – pese embora o fantástico contributo dos seus antigos colegas – e que a solo conseguiu construir um corpus de trabalho que, mesmo não sendo icónico, é notável: The Pros and Cons of Hitch Hiking (1984), Radio K.A.O.S. (1987), Amused to Death (1992), a ópera Ça Ira (2005) e, mais recentemente, Is This the Life We Really Want? (2017), álbum que pôs fim a uma longa espera de 25 anos sem ouvirmos canções novas do músico britânico.

Foi preciso, no entanto, esperar vinte minutos para que o pudéssemos ouvir, a Roger Waters e ao seu instrumento. Antes disso, o público foi brindado com uma curta-metragem em que uma jovem de lenço na cabeça, sentada nas dunas e pensativa como se estivesse num divã, mirava o mar entre o som das gaivotas e das ondas, até que se começa a escutar um cântico de tons árabes, em crescendo. De repente, o céu do filme envermelhece, à semelhança da sala; a banda entra em palco; ouve-se uma explosão e uma cacofonia de sons diversos; e por fim é-nos permitido respirar. Com “Breathe”, claro está. Respiramos como tantos outros o fizeram ao escutar The Dark Side of the Moon pela primeira vez. Não é à toa que é um dos álbuns mais vendidos da história da música gravada.

São, isso sim, as figuras principais de “Dogs” e “Pigs (Three Different Ones)”, temas que levam ao erigir de uma enorme fábrica a meio da Altice Arena e que têm um alvo principal: Donald Trump. Se durante a sua interpretação em território norte-americano “Pigs”, e as montagens de Trumpque a acompanham, levou a que apoiantes do atual presidente dos EUA abandonassem as salas onde Waters atuava, em Portugal o registo é bem diferente: aplausos, gritos de desprezo dirigidos a essa personagem, e sorrisos muitos estampados na cara dos presentes – particularmente quando, em bom português, uma mensagem surge no final da canção (já depois de um gigantesco porco insuflável ter passeado pela sala, e já depois de uma pobre ovelha ter servido champanhe a uma banda vestida de suíno – não será necessário ter de explicar a analogia): «Trump é um porco».

O solo de “Money” ainda é capaz, tantos anos depois, de nos paralisar – e não arrepiar – a espinha, e “Us and Them” explica a quem ainda não tinha percebido aquilo de que se falou esta noite. Mas é no final de “Eclipse”, e abençoado por uma pirâmide de luz, que se dá aquele momento que transforma todo um espetáculo: Waters de braços cruzados sobre o peito, visivelmente emocionado, largando um curto “obrigado” antes de apresentar a banda que o acompanha. A prova de que por mais fama que se tenha, ela não é nada comparada com o amor que se recebe.

Antes de um encore com “Wait For Her” / “Oceans Apart” / “Part of Me Died”, trilogia que encerra Is This the Life We Really Want?, Roger Waters ainda teve tempo para saudar quem, nas filas da frente, levou uma bandeira da Palestina para a Altice Arena – e deixar uma mensagem bem clara aos seus apoiantes e aos seus críticos: «não preciso de discursar sobre a BDS quando a IDF [Israeli Defense Forces, as forças armadas de Israel] está em todas as TVs, a matar protestantes pacíficos em Gaza». Uma Gaza para a qual será preciso acordar ou, pelo menos, perante a qual não ficar “Comfortably Numb”, o tema com que Waters encerra um espetáculo de três horas, entre confettis onde se lê “RESIST” e um novo agradecimento sentido ao público. Teimoso? Talvez. Mas perante o mundo em que vivemos – e o qual não queremos –, como permanecer imóvel em vez de marchar a seu lado?