O antigo dirigente do Bloco de Esquerda tinha 67 anos. Era médico de profissão e enquanto deputado teve uma importante intervenção na área da saúde. O velório está marcado para hoje, no Porto

João Semedo morreu esta terça-feira, dia 17 de julho, vítima de cancro, confirmou o Bloco de Esquerda, o partido de que foi coordenador. Tinha 67 anos.

“O João é uma perda não só para o Bloco de Esquerda, mas para o país inteiro pela maneira como se bateu por causas muito importantes”, disse a eurodeputada bloquista Marisa Matias ao DN, sobre Semedo, com quem fez várias campanhas eleitorais.”Era um homem muito bom, com um coração gigante.”

“Há muitas pessoas boas na política, mas o João era extraordinário”, diz Marisa Matias.
Médico de profissão, João Semedo dirigiu o BE em conjunto com a atual coordenadora, Catarina Martins, entre 2012 e 2014, numa solução de liderança ‘bicéfala’ que os bloquistas viriam a abandonar.

A atual líder homenageou-o com uma fotografia de ambos e uma frase: “Obrigada, João”

“Enquanto deputado na área de saúde, fez aprovar projetos na área do testamento vital, do conceito de tempo de espera e a Carta de Direitos do Utente do SNS. Mas a sua atividade parlamentar não se cingiu à área da saúde, tendo-se destacado na Comissão de Inquérito do BPN, entre outras iniciativas”, lembrou o Bloco de Esquerda numa nota de pesar enviada às redações.

João Semedo debatia-se desde 2015 com problemas de saúde, que o obrigaram a renunciar ao mandato na Assembleia da República. No ano passado, candidato à câmara do Porto, desistiu da corrida novamente por motivos de saúde. Já este ano, em abril, renunciou ao cargo de deputado da assembleia municipal da Invicta..

Manteve, no entanto, a atividade política. Lançou um livro com António Arnaut sobre o Sistema Nacional de Saúde, coordenou outro sobre o movimento pela despenalização da eutanásia, a última das suas causas públicas. A primeira foi a ajuda às vítimas das cheias em 1967, ainda no Liceu Camões.

De jovem militante a parlamentar
Nascido em Lisboa, a 20 de junho de 1951, João Semedo cresceu entre contestários ao regime. A mãe, professora; o pai, engenheiro, militante do Partido Comunista.

A vontade de intervir politicamente reforça-se nas cadeiras da Faculdade de Medicina, a partir de 1968. Participa numa manifestação contra a guerra do Vietname. Junta-se à União de Estudantes Comunistas em 1972, é eleito para a Associação de Estudantes e em 1973 é preso durante duas semanas em Caxias por dustribuir panfletos pedindo eleições livres.

Depois do 25 de Abril, já militante do PCP, participa em campanhas de alfabetização para adultos. Em 1978, muda-se para o Porto e torna-se funcionário do partido. É o seu trabalho até 1991. Pertenceu ao Comité Central, esteve na concelhia e no Setor Intelectual da Invicta. A saúde foi sempre um dos assuntos que acompanhou de perto. Passou pela Cooperativa Árvore, pela direção do FITEI (Festival de Internacional de Teatro de Expressão Ibérica), a Universidade Popular e esteve na fundação do Sindicato dos Médicos do Norte.

Nos anos 90, depois de ter deixado de ser funcionário do PCP, voltou a exercer medicina. Trabalhou de perto com toxicodependentes e dirigiu o Hospital Joaquim Urbano.

“Apoia a tentativa de renovação do partido protagonizada por Luís Sá, no documento Novo Impulso. O falecimento do dirigente comunista e a oposição da ala liderada por Álvaro Cunhal ditam a derrota dessa linha política no XVI Congresso e a saída do partido”, lembra um um perfil do Esquerda.net.

Abandonaria de vez a militância no PCP, em 2003. Ao lado de outros ex-comunistas, funda o Movimento Renovação Comunista. Por essa altura, convidado por Miguel Portas faz uma aproximação ao Bloco de Esquerda. O partido, resultado da união de várias forças políticas, tinha nascido em quatro anos antes.

Marisa Matias conheceu João Semedo por essa altura, como recorda ao DN. “Foi num encontro da associação Manifesto sobre saúde, organizado pelo Miguel Portas.”

Esta aproximação de João Semedo ao Bloco de Esquerda resultaria no convite para integrar a lista do partido às eleições europeias como independente. Dois anos depois, substitui João Teixeira Lopes na Assembleia da República. A 4 de abril de 2007 torna-se, oficialmente, militante torna-se militante do partido então liderado por Francisco Louça. Sempre a com Saúde como tema primordial, mas também ligado às comissões do BPN, interrompeu o seu mandato como deputado em 2015, por motivos de saúde.

O cancro roubou-lhe a voz, mas, de surpresa, reapareceu num comício em Coimbra durante campanha eleitoral de Marisa Matias para as eleições presidenciais. Marisa Matias recorda esse momento como “o maior ato de amor em política”. “Há muitas pessoas boas na política, mas o João era extraordinário”, diz.

Nessa noite, subiu ao palco para discursar. “Só mesmo a Marisa é que punha a falar aqui um tipo sem cordas vocais”, brincou.

O sentido de humor é uma das características que Mariana Mortágua recorda. “Era um homem assertivo, bem-humorado, trabalhador, corajoso e mais uma vez não deixou ninguém indiferente e deixa-nos a todos um grande contributo mas também uma perda também do seu contributo pela falta que vai fazer”. A deputada lembra os seus conselhos quando chegou à Assembleia da República.

“Há um conjunto de temas em que o João era um especialista e deixou esse contributo. Nos últimos tempos participou em duas enormes campanhas: uma pela nova lei de bases da saúde e outra em que se empenhou com muito afeto e vontade que foi a despenalização da morte assistida”, frisou a deputada.

Luta pela despenalização da eutanásia
Já este ano publicou o livro Salvar o SNS, com António Arnaut e envolveu-se no debate público a favor da eutanásia. Organizou um livro, lançado nas vésperas do debate e votação no parlamento, intitulado Morrer com Dignidade – A decisão de cada um, no qual reuniu depoimentos de diferentes figuras defensoras desta causa. A editora, a Contraponto, juntou-se aos muitos que publicamente quiseram homenagear João Semedo. Lembrou-o como “um democrata, um humanista e como uma pessoa de elevadíssimo sentido ético e cívico, que, da forma mais digna possível, lutou até ao final pela possibilidade de, num país em que se morre mal, se poder morrer com dignidade.”

João Semedo já não conseguiu estar presente no lançamento do livro devido a problemas de saúde, mas, a 29 de maio, quando os projetos de lei do PAN, BE, PS e PEV foram chumbados no parlamento. Nesse dia, na sua conta no Facebook, disse acreditar a que lei mudaria em breve. “É uma questão de tempo, não foi agora será na próxima legislatura. Nestes dois últimos anos, avançou-se imenso na compreensão das problemáticas do fim de vida, designadamente, na legitimidade de permitir o recurso à morte assistida a todos que o pretendam, sem obrigar seja quem mas também sem impedir quem cumpra todos os requisitos exigidos pela lei e reitere inequivocamente ser essa a sua vontade”.