Agressividade, ansiedade, isolamento, obesidade e dependência são alguns dos riscos atribuídos nos últimos anos à utilização repetida de videojogos no dia-a-dia. Mas será que também podem ter efeitos positivos no desenvolvimento das crianças e adolescentes? Patrícia de Almeida Gonçalves, pediatra do Hospital CUF Cascais, procura ir além dos efeitos nefastos dos videojogos, no projeto de investigação “Teenager motor skills – do videogames matter?”, um dos cinco projetos nacionais distinguidos pela José de Mello Saúde e pela Universidade Nova de Lisboa, esta terça-feira, com um prémio de 20 mil euros.
No âmbito da aliança criada em 2016 através do consórcio Tagus TANK – Tagus Academic Network for Knowledge, as duas entidades atribuem prémios no valor de 100 mil euros a projetos que estimulem o desenvolvimento de novas linhas de investigação médica de excelência.
“Fiquei muito feliz. É muito bom sentir este reconhecimento por parte de uma faculdade que me deu tanto. Esperamos trazer algo de novo, ou pelo menos mais informação no sentido de melhorar a qualidade de vida das nossas crianças e adolescentes, tentando orientá-los de uma maneira mais positiva para uma coisa que lhes dá imenso prazer, que é jogar jogos de vídeo”, diz ao DN a pediatra.
O objetivo é recrutar aproximadamente 50 adolescentes, entre os 10 e os 16 anos, e desenvolver o projeto ao longo de um ano. “Queremos perceber se os videojogos têm influência na motricidade, em particular dos membros superiores. Achamos que os miúdos que passam mais tempo a jogar podem ser mais rápidos na execução de determinadas tarefas. Por isso, vamos tentar perceber quanto tempo demoram a fazer determinadas tarefas, basicamente de encaixe e viragem de materiais”, explica Patrícia Gonçalves.
Nesta altura, prossegue, “ainda não sabemos a repercussão que os videojogos vão ter ao nível da motricidade da criança”. Sabe-se, por exemplo, que “as crianças pequenas precisam de três horas por dia de atividades ao ar livre, não estruturadas, para aprenderem como se devem mexer, como o corpo funciona”. Mas também existem estudos, adianta, “que dizem que estão a treinar mais os polegares”. “Há investigações que mostram que os cirurgiões que treinam com videojogos antes das cirurgias laparoscópicas têm menores taxas de erros na cirurgia”, sublinha.
Outros estudos, refere a pediatra, revelam que “os estudantes de medicina submetidos a um simulador têm melhor performance quando fazem treinos lúdicos com videojogos”. Consciente de que “as crianças se estão a desenvolver e a pensar de maneira diferente” devido à utilização das novas tecnologias, Patrícia Gonçalves quer avaliar o impacto que os videojogos podem ter na sua destreza manual.
“A expectativa é que nos ajude a perceber se estas atividades podem ter alguns eventuais benefícios na reabilitação de crianças com paralisias cerebrais ou em adolescentes com dificuldades neurológicas, que normalmente têm processos de reabilitação muito aborrecidos”, indica. Se conseguir provar que os videojogos podem ter uma influência positiva “e se houver jogos interessantes, pode vir a conseguir-se alguma coisa nesta área”.
Efeitos negativos superam os positivos
Segundo Patrícia de Almeida Gonçalves, grande parte do trabalho desenvolvido até agora é focado nos efeitos nefastos da utilização dos jogos de vídeo. Uma das polémicas mais recentes está relacionada com o Fortnite, o jogo online mais popular da atualidade, que soma mais de 200 milhões de utilizadores em todo o mundo. Tal como o DN noticiou, a influência do jogo é tal, que já está a afetar a forma como as aulas são dadas e tem levado várias famílias a pedir a intervenção de psicólogos, devido a casos de adição.
Mas a pediatra está consciente disso. “Os efeitos nefastos suplantam muito os efeitos benéficos, mas os jogos de vídeo vieram para ficar. Como pediatras e cuidadores, temos de arranjar maneira de os usar de forma positiva e de os integrar nos hábitos de vida saudáveis. Eles não se vão embora”, afirma. Por cá, um estudo recente revelou que 38% dos adolescentes passam, pelo menos, uma hora por dia a jogar videojogos. “É muito importante ter a noção que devemos sempre vigiar e limitar a utilização das novas tecnologias, para que não haja uma repercussão tão grande na vida das crianças”.
Além deste projeto, a Universidade Nova de Lisboa e a José de Mello Saúde vão distinguir outros quatro investigadores: Cristina Caroça, especialista em Otorrinolaringologia, que estuda a surdez em crianças de São Tomé e Príncipe; António Bugalho, pneumologista, e coordenador do trabalho “Abordagem inovadora no estudo dos gânglios linfáticos metastáticos em doentes com cancro do pulmão”; Guadalupe Cabral, que estuda a relação entre o sistema imunitário e o cancro da mama; e Hugo Castro Faria, pediatra e autor do projeto “Impacto de um programa de intervenção para a saúde em escolas na redução de consumo de substâncias entre os adolescentes”.