Da disputa tecnológica à guerra comercial: por que é que as tensões dos Estados Unidos e da China levam Huawei e Google a reboque? E devem os consumidores estar preocupados?
a última semana, o mundo esteve focado numa aparentemente pequena “guerra” tecnológica. Como resultado de uma série de atritos, a Google acabou por suspender os serviços à multinacional chinesa Huawei. No entanto, depois deste anúncio, dois dos intervenientes – Google e Estados Unidos – já deram sinais de abrandamento nesta escalada de tensão. O Governo norte-americano adiou esta segunda-feira por três meses a sanção decretada à Huawei, que vai assim, embora provisoriamente, poder continuar a utilizar componentes e programas informáticos norte-americanos.
Do outro lado, a Huawei revelou esta terça-feira que se encontra em conversações com a Google para contornar as restrições impostas pela Casa Branca, ao mesmo tempo que realçou que os Estados Unidos “subestimaram” a marca chinesa .
Mas, afinal, como é que se chegou aqui?
Há largos meses que os Estados Unidos se mostram preocupados com a ascensão daquele que, atualmente, é o verdadeiro negócio da China nos mercados internacionais. Ao contrário da Apple, gigante norte-americana que está a registar quedas de 17% desde o início do ano, a Huawei está no seu momento mais prolífico de sempre, a caminho de bater a Samsung no pódio da produção de telemóveis.
A companhia detém a única grande marca de smartphones ainda em crescimento na China, e vende quatro vezes mais do que a Apple em território chinês. Apesar de o mercado estar em queda, a Huawei conseguiu exportar nos primeiros meses de 2019 cerca de 30 milhões de telemóveis, o que representa uma subida de 41%.
Este crescimento está a gerar frenesim em Washington há vários meses, período durante o qual a presidência norte-americana se empenhou em reunir esforços para evitar que o equipamento de rede 5G desenvolvido pela Huawei atravessasse fronteiras.
Em março, Donald Trump aumentava também a pressão sobre as empresas concorrentes norte-americanas. Com uma publicação no Twitter, o Presidente insistia na criação, no período mais curto possível, de “tecnologia 5G e 6G” nos EUA. Trump acrescentava ainda que as empresas daquele país teriam de se esforçar mais, ou corriam o risco de ficar para trás.
Quais são os argumentos de Trump para o boicote à Huawei?
Filho de um capitalista assumido, o CEO da empresa de telemóveis conotou, ainda que indireta e involuntariamente, a Huawei com um selo capitalista. Mas, se na China, a companhia é encarada como próxima do regime comercial norte-americano, no Ocidente Trump associou-os ao comunismo.
De facto, o receio exteriorizado pelo líder da Casa Branca é o de que as tecnologias do futuro venham a ser controladas pelo comunismo chinês, acenando com o fantasma da espionagem internacional. Google, Facebook e Twitter têm sido intensamente bloqueados na China; a ainda Amazon opera, mas com sérias limitações.
Ren Zhengfei, que até tem um filho a estudar em Harvard, foi acusado de mentir à Justiça norte-americana em 2007, em documentos lavrados por procuradores que o investigavam. Também a sua chefe de departamento financeiro foi detida em dezembro passado, no Canadá, e continua a lutar contra uma possível extradição para os EUA, onde enfrenta acusações de fraude a bancos e violação das sanções iranianas. A Huawei nega todas estas alegações.
Esta é apenas uma disputa tecnológica?
Mais do que uma luta pela hegemonia dos mercados dos dispositivos móveis, China e EUA encontram-se em clara guerra comercial, de acordo com o parecer de especialistas em relações diplomáticas.
A administração Trump adicionou a Huawei a uma lista negra de comércio e aprovou restrições que tornam muito difícil à empresa chinesa fazer quaisquer negócios com tecnológicas norte-americanas . No entanto, cresce o rumor de que a companhia chinesa já está a trabalhar num sistema operativo próprio, de forma a autonomizar-se, em caso de agudização do conflito.
O que deve preocupar os consumidores?
Se, apesar das negociações que a Huawei e a Google têm vindo a realizar nas últimas horas, as proibições se vierem mesmo a confirmar, os telemóveis da marca perderão o acesso a futuras atualizações do sistema operativo Android. As aplicações com o selo da Google – Maps, Chrome, Gmail – também poderão vir a ser afetadas, e não aparecer de todo nos futuros equipamentos da marca.
Além disso, é de sublinhar que uma das apps em questão é a Play Store, precisamente a loja da Google que permite instalar outras aplicações nos telemóveis. Os dispositivos Huawei correm, desta forma, o risco de ver invalidadas inúmeras opções – e não apenas as que resultam da Google.
A empresa chinesa ficará apenas com um acesso ao código-fonte aberto do sistema Android, que equipa milhões de telemóveis a nível mundial, mas sem qualquer suporte ou colaboração por parte da Google, o que a exclui das próximas atualizações, a começar já nas que têm lugar depois do próximo verão.
Para já, há uma brecha de 90 dias para que as partes – empresas ou países – tentem evitar o pior.