Três irmãs russas enfrentam até 20 anos de prisão por terem matado o pai ao fim de anos de abusos físicos e sexuais sofridos. Num país onde a violência doméstica faz cerca de 600 mil vítimas por ano, o caso reabriu o debate sobre o problema.

Era uma tarde de verão igual às outras. Mijaíl Jachaturián chegou a casa, num bairro pobre do norte de Moscovo, chateado, como nas outras. Dessa vez, o motivo era a desarrumação da sala. Tinha visto um cabelo longo e escuro no chão e ficou furioso. Chamou as filhas, uma a uma, e atirou-lhes gás pimenta. Depois, retirou-se para fazer uma sesta. As jovens, de 17, 18 e 19 anos, esperaram que o homem, de 57, adormecesse e entraram no quarto. Atacaram-no com o mesmo spray, uma faca de cozinha e um martelo, segundo a acusação do Ministério Público.

Um ano depois da morte de Mijaíl – foi assassinado em 2018 -, as irmãs Krestina, Angelina e María estão acusadas de homicídio premeditado, arriscando penas de até 20 anos, no caso das mais velhas, e 10, no caso da mais nova, que era menor na altura dos factos.

De acordo com documentos judiciais citados pelo jornal espanhol “El País”, era na casa de família do bairro de Bibirevo, adornada com cruzes e artefactos religiosos, que as três adolescentes de cabelo e olhos escuro viviam todos os dias um pesadelo. Há anos que sofriam abusos físicos e sexuais perpetrados pelo pai, com quem viviam sozinhas desde 2015, quando o homem expulsou a mulher de casa, ameaçando matá-la a ela e às filhas se regressasse.

“Estavam aterrorizadas. Viviam praticamente escravizadas, num ambiente irrespirável, e temiam pela vida”, disse um dos advogados, Alexei Liptser, que alega que as jovens, já há muito tinham sido proibidas de ir à escola, atuaram em defesa própria.

Uma mulher é morta a cada 40 minutos

O caso agitou a sociedade russa, com milhares de pessoas a manifestaram-se solidárias com as irmãs, e abriu um debate sobre a inação e normalização de um problema de dimensões colossais no país, que tem 144 milhões de habitantes: a violência doméstica. Não há registos recentes oficiais, mas um estudo de 2012 levado a cabo pelo Ministério do Interior estimava que 36 mil mulheres sofriam de violência doméstica a cada dia e que entre 12 a 14 mil tenham morrido às mãos dos companheiros ou familiares – é uma morte a cada 40 minutos. As autoridades acreditam que só 12% das mulheres agredidas faz denúncia à Polícia e que, desses casos, só 3% chegam aos tribunais. O balanço é muito semelhante ao revelado pela ONU em 2010.

No caso das irmãs, que recolheram uma forte onda de apoio junto da população, mais de 300 mil pessoas assinaram uma petição online a pedir que sejam ilibadas. A voz de indignação vem também de atrizes, youtubers conhecidos e até da defensora de Direitos Humanos do Kremlin. Sucedem-se piquetes solitários, face à proibição de manifestação, as atividades culturais e as campanhas nas redes sociais para pedir a absolvição.

Por outro lado, sendo a Rússia um país conservador e patriarcal, em que a igreja ortodoxa tem grande influência, também há grupos que negam que a violência doméstica seja um problema e pedem uma condenação dura e exemplar para as arguidas.

Krestina, Angelina e María estão a aguardar o fim julgamento em liberdade, mas isoladas. Não podem comunicar entre si nem com testemunhas ou órgãos de comunicação social. “Estão bem na medida do possível. Seja na prisão ou isoladas em casa, repetem que, pelo menos, não estão a sofrer torturas todos os dias”, disse o advogado.