Algumas empresas em Portugal incluem nos seus regulamentos internos cláusulas sobre relações amorosas entre colegas de trabalho. Especialistas separam aquilo que é legal daquilo que deve estar ao cuidado do “bom senso” das empresas e da “transparência” do trabalhador.

demissão do presidente e diretor executivo da McDonald’s, Steve Easterbrook, no início deste mês de novembro, recuperou uma tema adormecido na realidade laboral portuguesa: as relações entre colegas no local de trabalho.

Assim como se verificou na cadeia da restauração norte-americana, muitas empresas em Portugal contemplam nos seus códigos de conduta ou regulamentos internos advertências sobre a possibilidade de dois colegas iniciarem uma relação amorosa, desencorajando-a ou, muitas vezes, proibindo-a. As razões apontadas para este posicionamento por parte das empresas são, regra geral, a preocupação com benefícios indevidos ou com abusos de poder, podendo até ser lembradas as questões de assédio ou importunação sexual.

O desconhecimento dos trabalhadores em relação ao que consta, ou não, na Lei do Trabalho é, não raras vezes, uma arma ao serviço do empregador, que pode fazer uso desse desconhecimento de forma lesiva para os funcionários.

Uma empresa pode proibir uma relação amorosa entre dois colegas?

Não, não pode. Em causa estão os direitos de personalidade do trabalhador, devidamente previstos no Código de Trabalho, conforme explicou ao Notícias ao Minuto o advogado Nuno Cerejeira Namora, especialista em Direito Laboral e fundador da Law Academy.

“É importante perceber que o contrato de trabalho enquadra e regula a limitação da heterodisponibilidade do trabalhador em benefício do empregador, no local e durante o horário de trabalho e para o exercício da atividade para a qual foi contratado. Assim, as relações amorosas que cada um entende ter com quem quer que seja é um aspeto que contende com a reserva da intimidade da vida privada do trabalhador”, explicou Nuno Cerejeira Namora, sublinhando que “o Código do Trabalho refere expressamente que o empregador deve respeitar os direitos de personalidade do trabalhador, inclusive abstendo-se de aceder e/ou divulgar aspetos relativos à esfera afetiva e sexual do trabalhador”.

Estes factos anulam qualquer tipo de proibição a uma relação amorosa entre colegas, uma vez que o empregador “depois fica impedido de questionar aspetos relativos a essas mesmas relações”.

Seguindo a constitucionalidade da reserva da intimidade de qualquer cidadão, a Lei do Trabalho não inclui, portanto, nenhuma referência a qualquer espécie de proibição no que diz respeito a relações afetuosas. Aliás, no ponto n.º 7 do Artigo 241.º, relativa à marcação de dias férias, pode ler-se que “os cônjuges, bem como as pessoas que vivam em união de facto ou economia comum nos termos previstos em legislação específica, que trabalham na mesma empresa ou estabelecimento têm direito a gozar férias em idêntico período, salvo se houver prejuízo grave para a empresa”. Ora, seria contraditório regular uma situação que, em princípio, poderia ser proibida.