Um estudo publicado esta semana na revista Nature conclui que a carga viral do novo coronavírus é mil vezes maior que o da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS), outro coronavírus que surgiu na China em 2002. A investigação, liderada pelo médico alemão Clemens Wendtner, conclui que a elevada replicação do vírus também ocorre na garganta, o que pode ajudar a explicar a rápida disseminação.Um grupo de investigadores monitorizou nove pacientes na Alemanha para tentar perceber com maior profundidade os mecanismos de disseminação da doença e de que forma o vírus se comporta no corpo humano.
O estudo concluiu que o novo coronavírus se multiplica em muito menos tempo e com maior amplitude que o vírus da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS).
De acordo com a investigação, o vírus não se multiplica apenas nos pulmões, como a SARS, mas também se multiplica na garganta logo na primeira semana de sintomas, descoberta que pode ajudar a compreender de que forma este vírus se propaga a outros doentes.
Os nove pacientes infetados da Alemanha pertencem ao mesmo surto identificado em Munique no final de janeiro num grupo de trabalhadores de uma empresa do ramo automóvel que tinha estado na China. Este foi o primeiro grupo de doentes infetados na Europa.
O acompanhamento dos nove pacientes foi coordenado pelo médico Clemens Wendtner, cuja equipa do hospital Schwabing-Munique analisou amostras da garganta, pulmões, expetoração, fezes, urina e sangue dos pacientes para entender o comportamento do novo coronavírus.
Nos pacientes com sintomas leves – ou seja, quase todos – os investigadores isolaram vírus ativos na garganta e pulmões até ao oitavo dia após os sintomas e o pico da carga viral foi atingido antes do dia cinco da infeção. No vírus SARS, em 2002, o pico da infeção, mil vezes menor, foi atingido sete a dez dias após o início dos sintomas.
O estudo conclui que esta é uma diferença muito significativa. Isto porque a multiplicação e a enorme carga viral na garganta de um doente infetado com sintomas muito leves o transforma num grande disseminador, por vezes silencioso, da doença.Os modelos matemáticos estimam que até 86% dos contágios no início da pandemia ficaram a dever-se a pessoas infetadas com sintomas leves ou indetetáveis.
Esta questão poderá agitar o debate global sobre o uso de máscaras. Enquanto vários países asiáticos como a China ou a Coreia do Sul recomendam o uso generalizado de máscaras faciais para impedir a disseminação do vírus, a Organização Mundial da Saúde apenas recomenda o uso de máscaras em caso de tosse ou espirros.
De acordo com o estudo científico divulgado esta semana, o novo coronavírus e a SARS partilham várias características, nomeadamente na forma como se manifestam nos pulmões. Mas no caso do novo coronavírus, há uma mutação que lhe permite manifestar-se também nas células do trato respiratório superior.
Duas vagas de ataque
No fundo, a investigação identifica duas “vagas” no ataque deste vírus ao corpo humano: primeiro na garganta, altura em que os sintomas ainda são leves ou mesmo indetetáveis, e em segundo, que sucede em menos pacientes, o vírus multiplica-se nos pulmões de forma semelhante ao que acontecia com a SARS de 2002, mas com uma carga viral muito superior.
É esta segunda fase que pode desencadear um quadro clínico de pneumonia, que pode ser fatal. Dois dos nove pacientes alemães que foram monitorizados chegaram a mostrar sinais preliminares de pneumonia.
No entanto, este estudo também traz boas notícias: o vírus não foi encontrado no seu modo ativo quando analisado no sangue, urina ou fezes dos pacientes e as análises ao sangue dos nove pacientes mostraram que todos desenvolveram anticorpos contra o vírus após 14 dias de infeção.
Ainda assim, os anticorpos criados pelo próprio corpo humano para se defender contra o vírus invasor não implicam a eliminação imediata do vírus. “Os níveis de anticorpos neutralizantes não sugerem uma estreita correlação com o curso clínico da doença ”, concluem os investigadores.
Por isso, os autores do estudo salientam que quaisquer vacinas criadas para instigar a produção de anti-corpos terão que “induzir respostas muito fortes para serem eficazes”.
Outra conclusão deste estudo destaca que quatro dos nove pacientes de Munique relataram perda de olfato e paladar muito mais forte e mais duradoura do que a típica de uma gripe comum, o que pode estar relacionado à intensa multiplicação do vírus entre o nariz e a garganta.