Conselho das Finanças Públicas critica o ministério das Finanças por fragilizar “os mecanismos de escrutínio público e democrático”. Contabilidade pública revela “fatura” de apenas €3,2 milhões
O Conselho das Finanças Públicas (CFP) liderado pela professora Nazaré da Costa Cabral acusa o ministério das Finanças liderado por João Leão de não lhe fornecer os dados necessários para este organismo independente analisar o impacto orçamental das medidas alteradas ou acrescentadas durante a discussão e aprovação na Assembleia da República (AR) do Orçamento do Estado (OE) para 2021.
Em causa está a contabilidade nacional que permitiria conhecer o impacto no défice orçamental e na dívida pública das medidas que asseguraram a viabilização do OE no Parlamento.
Após um debate marcado por milhar e meio de propostas de alteração ao OE2021, a única informação disponibilizada pelo ministério das Finanças revela um impacto de apenas €3,2 milhões no agravamento do saldo em contabilidade pública. Um resultado “pouco significativo” que surpreende os peritos do CFP “dada a dimensão e expressão financeira” das medidas aprovadas em sede parlamentar. “Surgem dúvidas quanto à confiabilidade dos mapas, iniciais ou finais”, diz o CFP.
“A divulgação das medidas aprovadas e do seu impacto no orçamento muito beneficiariam a transparência orçamental, tornando possível um escrutínio que fornecesse a todos os destinatários do presente documento, incluindo os agentes económicos, um conhecimento informado sobre as opções de política e o seu efeito para as finanças públicas”, alerta o CFP na “Análise ao Orçamento do Estado aprovado para 2021” divulgada esta quarta-feira.
DÉFICE SÓ AGRAVOU EM €3,2 MILHÕES?!
Estes peritos orçamentais lembram a quantidade de medidas que foram alteradas ou adicionadas à proposta inicial do governo no decurso do processo de aprovação do OE2021 durante os últimos meses de 2020 na AR.
Entre as medidas que foram alteradas em sede parlmentar, consta a antecipação da atualização extraordinária de pensões para 1 de janeiro de 2021 (em vez de 1 de agosto), tendo esta passado a ser de €10 também para os pensionistas que recebam pelo menos uma pensão cujo montante fixado tenha sido atualizado entre 2011 e 2015, ao invés dos €6 inicialmente propostos (artigo 75.º da lei do OE2021). Também foi alargado o universo de beneficiários do novo apoio extraordinário ao rendimento dos trabalhadores (artigo 156.º). E prorrogado por mais seis meses o período de concessão do subsídio de desemprego que termine em 2021, bem como a majoração do limite mínimo deste subsídio (artigos 154.º e 155.º). E passou a ser paga a 100% a remuneração dos trabalhadores abrangidos pelos mecanismos de lay-off, até um valor equivalente a três salários mínimos (artigo 142.º).
Também se desconhece o impacto das medidas aprovadas para 2021 que não estavam incluídas na proposta inicial do governo. É o caso do regime especial e transitório de pagamento em prestações de IRC ou IVA em 2021 (artigo 418.º da Lei do OE/2021). Ou da suspensão dos pagamentos por conta em IRC para cooperativas e para micro e pequenas e médias empresas em 2021 (artigo 374.º). Ou da avaliação da revisão dos subsídios e suplementos remuneratórios das forças de segurança, bem como a atribuição de um subsídio de risco e suplemento remuneratório para os profissionais destas forças (artigo 42.º).
Foram também aprovadas medidas adicionais na área da Saúde, nomeadamente a atribuição de um suplemento remuneratório de €200 por exercício de funções de autoridade de saúde (artigo 49.º), o investimento nas instalações dos centros de saúde (artigo 276.º) e a recuperação das consultas nos cuidados de saúde primários (o artigo 277.º prevê a atribuição de um incentivo excecional para esse efeito). De igual modo, na lei do OE/2021 passou a estar especificado o reforço de profissionais nos cuidados de saúde primários (artigo 278.º), nos cuidados intensivos (artigo 279.º, que prevê também o reforço do número de camas) e nas unidades de saúde pública (artigo 297.º).
“Como se depreende pelos exemplos acima referidos, o impacto orçamental decorrente do conjunto de alterações entretanto introduzidas e aprovadas pela AR não terá sido despiciendo e a ausência de informação sobre esta matéria prejudica a transparência orçamental e a própria missão do CFP, como instituição responsável por analisar de forma independente os documentos de programação orçamental”, critica a instituição liderada por Nazaré da Costa Cabral.
O CFP alerta ainda que “parte do custo das medidas de política previstas será financiada através de verbas comunitárias”. E que “o novo pacote de fundos europeus que o país irá receber nos próximos anos – de dimensão bastante superior face a anteriores pacotes financeiros – implica uma responsabilidade adicional no sentido de uma aplicação rigorosa, eficiente e transparente destes recursos financeiros”.
TANTA OPACIDADE VIOLA A LEI
Note-se que as críticas à crescente opacidade do ministro das Finanças não são de hoje.
“O CFP nota que todas estas dificuldades no acesso à informação (e na qualidade da informação prestada) se têm vindo a acentuar desde o transato ano de 2020, tal como oportunamente assinalado quer no seu relatório sobre o programa de estabilidade, quer no relatório sobre a proposta de OE2021”, alerta o CFP. “Isto mesmo tem prejudicado a análise pela instituição orçamental independente e o cumprimento adequado do seu mandato legal, definido nos planos nacional e europeu”.
“Trata-se de falhas no respeito pelo princípio da transparência orçamental constante do artigo 19.º da Lei de Enquadramento Orçamental e em especial no cumprimento de deveres de informação previstos nos artigos 73.º e 74.º da mesma lei”, alertam estes peritos orçamentais.
“A pandemia e as circunstâncias de exceção não podem ser usadas para justificar toda e qualquer fragilização dos mecanismos de escrutínio público e democrático. Importa ultrapassar rapidamente estes constrangimentos assinalados, tanto mais que o país se prepara para receber montantes muito avultados no âmbito do plano de recuperação europeu. Impõe-se que a informação quer sobre a afetação e a utilização destes fundos, quer sobre o seu impacto desde logo no plano financeiro, seja disponibilizada e verificada atempadamente, pois tais montantes refletir-se-ão, mais cedo ou mais tarde, de forma direta ou indireta, nas contas públicas e na capacidade produtiva da economia portuguesa”, apela o Conselho das Finanças Públicas.