Janeiro foi “uma tragédia” que ninguém antecipou. O último ano foi “intenso” e com noites de “insónia” para Graça Freitas, que assume que pensou em desistir. Olhando para o futuro, diz-se otimista com as perspetivas para o plano de vacinação no segundo trimestre, mas aconselha cautela no desconfinamento e lembra que “não estamos livres [de uma nova escalada de casos]. Nem nós, nem nenhum país”.

Em entrevista à RTP, a diretora-geral da Saúde disse esta quarta-feira, 3 de março, que “a cautela aconselharia a que [a reabertura das escolas] fosse uma abertura faseada, começando em graus de ensino com alunos mais novos”.

A cautela exige-se porque “não estamos livres [de uma nova escalada de casos]. Nem nós nem nenhum país”, lembra.

“Quem disser que não pode haver uma nova vaga não está a ver bem a dinâmica destes vírus, mesmo com a vacina. Toda a gente sabe que este tipo de vírus tem mutações e que o conjunto das mutações gera variantes. A forma como estas variantes se vão propagar é a maior incógnita”, acrescentou.

Quando o tema é desconfinamento, em Portugal os quatro fatores mais ponderados, sem excluir outros, são a perceção de risco, a incidência cumulativa a 14 dias, a positividade [% de casos positivos no total de casos testados] e a ocupação de camas nos cuidados intensivos. A esta lista pondera-se acrescentar o R [ou seja, o número de pessoas que um infetado pode infetar] como parâmetro.

Se a positividade é atualmente inferior a 4%, sendo que valores entre 5 e 7% são “aceitáveis”, é preciso consolidar outros parâmetros antes de pensar em aliviar restrições, como a pressão sobre os cuidados intensivos no serviço nacional de saúde a taxa de incidência, “que gostávamos que baixasse um bocadinho”, diz a diretora-geral da saúde.

No que concerne a incidência, e tendo por base um cenário mais conservador, o ideal é ter menos de 500 novos casos de infeção por covid-19 por dia.

No entanto, há sempre a possibilidade de aparecerem novas variantes que podem “baralhar” tudo isto, assume.

Esta não é a única incógnita: “não sabemos quanto tempo vai durar a imunidade”, seja a artificial, proporcionada pelas vacinas, seja a natural, de quem já foi infetado.

Quando olha para trás, Graça Freitas recorda um ano “intenso”, com muitas “insónias”, em que por breves momentos pensou em desistir — “estou muito cansada, outras pessoas poderão fazer melhor” —, mas isso “não dura muito tempo e esses momentos são substituídos por uma vontade de colaborar”, conta.

Quando recorda para janeiro, o pior mês da pandemia, fala numa “tragédia do ponto de vista da saúde pública”.

Segundo Graça Freitas, o primeiro mês de 2021 foi “uma avalanche”. Antecipava-se uma terceira vaga maior do que a segunda, mas não com a dimensão que esta acabou por ter, conta Graça Freitas.

Ao fator humano — maior mobilidade no final de 2020 — juntaram-se outros, como temperaturas muito frias, uma nova variante [do Reino Unido] com maior velocidade de propagação e a maior parte da população ainda sem imunidade natural ou artificial. “Não havia uma previsão de que a dimensão pudesse ser esta [que se verificou em janeiro]”, disse.

Questionada sobre se se fez tudo o que se poderia ter feito ao longo do último ano no combate à pandemia, Graça Freitas assume que “se olharmos para trás, muitas coisas poderiam ter sido feitas de forma diferente”, nomeadamente “antecipando algumas consequências da epidemia”. No entanto, quando se está a correr “uma maratona de cordilheira”, vão “sendo tomadas as medidas que naquela data, com o conhecimento existente, se consideraram melhores”.

Ou seja, “na altura em que foram tomadas [determinadas decisões], acreditava-se serem as mais acertadas para aquele momento”.

Já sobre a vacinação, Graça Freitas reconheceu que “o primeiro trimestre vai ficar aquém das expectativas”, por força da falta de disponibilidade de vacinas, mas mostrou esperança no cumprimento da meta de 70% da população do país vacinada até final de agosto.

Quanto a um eventual alargamento da utilização da vacina da AstraZeneca a pessoas com mais de 65 anos, a diretora-geral da Saúde não exclui a revisão que já está a avançar em alguns países. “À medida que vamos tendo mais informação de outros países, não o pomos de parte, porque permite vacinar mais rapidamente grupos mais velhos”, disse.

Graça Freitas lamentou ainda os “números açambarcadores” de mais de 16 mil mortos e 800 mil casos associados à covid-19, em especial o drama vivido no último mês de janeiro, em que Portugal bateu máximos de óbitos e infeções.

Questionada sobre o momento mais esperanço do último ano, Graça Freitas escolhe aquele em que a primeira vacina foi aprovada por agências do medicamento credíveis. “Aí abriu-se um novo mundo de esperança”.