A covid-19 contribuiu para uma crise financeira que aumentou os números do desemprego, mas para os jovens portugueses, a situação já era complicada muito antes da pandemia aparecer.

Ivânia Cardoso, 23 anos, terminou uma licenciatura em Ciências da Comunicação, em 2018, e ainda conseguiu realizar dois estágios como jornalista num jornal local, em que apenas um foi remunerado, antes de optar por mudar para a área do Direito.

“Por gosto, porque percebi que queria fazer aquilo [Direito], mas também por desilusão tanto pela experiência que tive no estágio, como por perceber que era quase impossível arranjar trabalho na área, a não ser que, como em muitos casos, conheças alguém que já esteja dentro dessa área”, explica Ivânia em relação ao que a levou a abandonar o jornalismo.

Atualmente estuda e trabalha num supermercado ao mesmo tempo, mas quando olha para o futuro e para o mercado de trabalho em Portugal confessa que não retira de cima da mesa a opção de emigrar, uma vez que continua a considerar vantajoso mesmo com a pandemia a afetar o mundo inteiro.

“O nosso país, por mais que seja minimamente desenvolvido, ainda não é desenvolvido ao ponto de os jovens conseguirem, como os nossos pais faziam, com 21 ou 22 anos começar a construir uma vida. Isso para nós é quase impossível, nessa idade”, diz.

A historiadora, investigadora e professora universitária Raquel Varela considera que é o próprio país, através da “estratégia escolhida pelos governos, quer o PS quer o PSD”, que continua a levar os jovens a emigrar.

“Exportações com base em baixos salários, turismo e baixa qualificação, incapacidade do sistema científico para reter quadros e não haver um desenvolvimento industrial próprio” são questões que se têm acentuado e que Raquel Varela considera que arrastam “o país para o declínio e uma das formas mais óbvias de declínio é a emigração”.

Maria Laranjo, de 24 anos, terminou o curso – Mestrado Integrado em Psicologia – no início de 2021 e, desde então, descreve o mercado de trabalho em Portugal como “horrível”, principalmente na sua área, uma vez que necessita de realizar um estágio remunerado para entrar na Ordem dos Psicólogos portuguesa.

“Eu sei que só estou à procura há cerca de três ou quatro meses, mas tem sido mesmo impossível ao ponto de eu já estar a procurar trabalho noutras coisas para ter estabilidade financeira e poder procurar estágio para a Ordem na mesma”, diz Maria.

Esta é uma realidade que se agravou com a pandemia, mas não é nova para os jovens recém licenciados em psicologia, chegando a haver casos em que acabam por desistir da área.

“Daquilo que sei, por causa da pandemia tem sido ainda mais difícil, mas para nós, psicólogos, é sempre super difícil. Conheço pessoas que decidiram parar de procurar estágio para a Ordem dos Psicólogos e que ficaram a trabalhar em lojas de roupa porque já estavam há uns dois ou três anos à procura e não conseguiram encontrar nada”, conta Maria Laranjo.

Raquel Varela considera que o país precisa da força de trabalho destes jovens e por isso não faltam motivos para que eles fiquem, ainda assim “era precisa uma política pública de emprego, desenvolver o sistema científico nacional, as qualificações. Era precisa outra estratégia que não está a ser levada a cabo pelos governos”.

Ainda que Ivânia e Maria representem uma realidade em que quem pensa vir a emigrar, ou chega mesmo a fazê-lo, tem qualificação superior, nem todos os casos são assim.

“Outro problema é a fuga de cérebros e não é só de cérebros, porque nós já temos escassez de trabalhadores manuais qualificados”, explica Raquel Varela, que defende que “devemos pensar numa economia política da felicidade, não é a economia que dá mais lucro e que vende a força de trabalho”.