Um dia depois de o Governo ter decidido prorrogar a situação de alerta, mantendo para já, as mesmas regras, especialistas ouvidos pela Multinews, consideram que podia ter havido uma reposição de algumas medidas, para travar a subida de infeções por Covid-19, que se verifica nos últimos dias.
Pedro Esteves, professor de Biologia da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, e investigador do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CIBIO), vai mais longe e defende mesmo que as regras nunca deviam ter sido aliviadas.
“Acho que algumas medidas não deveriam ter sido levantadas numa fase anterior e nesta fase muito menos, porque estão na origem de tudo isto”, começa por referir.
Uma delas, adianta, “é o teletrabalho, que na minha opinião era neste momento a melhor arma que nós tínhamos para que os casos não aumentassem”, considera sublinhando que “devia ser novamente imposto, é absolutamente essencial”.
Outra regra, passa por “obrigar a manter o uso de máscara em qualquer espaço fechado. Não faz sentido tirar a máscara nestes espaços, porque o número de casos vai aumentar, é incontornável, está a acontecer em toda a Europa e Portugal não é exceção”, afirma.
“Por isso acho que este tipo de medidas deviam ter avançado já, porque não são muito restritivas, as atividades económicas podem continuar abertas, têm é de cumprir estas regras que não impedem o seu funcionamento”, reitera.
Para Pedro Esteves, estas medidas “são pequenos sinais, porque acho que as pessoas estão a relaxar e ao impor estas pequenas regras o Governo estava a dar um sinal de que estava realmente preocupado e que tínhamos de fazer qualquer coisa”.
Situação deve ser revista no máximo em 15 dias
Também Gustavo Tato Borges, da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, defende que “idealmente o Governo devia acautelar e minimizar a possibilidade de termos uma situação como no ano passado, em que os casos foram aumentando, foram lançados os alertas para fazer alguma coisa e nada foi feito”.
“Agora também entendo que a situação epidemiológica em Portugal, apesar de estar em crescendo, tem uma característica muito diferente, que é a cobertura vacinal e os baixos internamentos e mortes”, ressalva.
Segundo o especialista, “o ideal era na próxima semana, no máximo em 15 dias, ter a noção se esse aumento (de casos) continua no tempo e se assim for, tomar mais medidas e não esperar para chegarmos aos mais de mil casos diários, como está previsto”.
Ainda assim, Tato Borges sublinha que já nesta fase podiam voltar a impor-se pequenas medidas, antes de maiores restrições. “O fim do uso do uso de máscara em espaços fechados foi precipitado e penso que por isso poderia voltar”, até porque “não tinha tanto impacto restritivo, tal como o teletrabalho, são duas medidas que podiam voltar”, considera.
Depois, adianta ainda, “claramente que para a semana se os números continuarem a subir, podermos pensar em algum tipo de restrição ao funcionamento de algumas instituições, que era algo não desejado”, remata.
Importa investir em “recomendações” não restritivas
Já Bernardo Gomes, professor na Faculdade de Medicina e no Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, diz concordar “com a manutenção de reservas, ou pelo menos com o não levantamento de medidas”.
Mas deixa um aviso: “Em vez de estarmos a fazer uma dicotomia de discurso, entre mais ou menos restrições, deveríamos pensar que há atitudes e recomendações a explorar”, nomeadamente aumentar os testes rápidos, melhorar a ventilação e avaliar a comunicação.
“Provavelmente vai ser necessário voltar a ter um modelo de informação, com estratificação regional ou local, para informar zonas especificas do país, que tenham maior crescimento (do vírus) para que as pessoas consigam adaptar nos seus comportamentos”, defende sublinhando que “se não fizermos isto estamos a aumentar o risco de serem necessárias restrições adicionais”.
Ainda assim, Bernardo Gomes também concorda que medidas como a reposição do teletrabalho e do uso de máscara obrigatórios em espaços fechados nesta fase “poderiam ajudar a controlar” a pandemia, sem privar as pessoas de liberdade.
Portugal pode ultrapassar os dois mil casos nas próximas semanas
Questionados sobre as previsões da ministra da saúde, Marta Temido, que davam conta de 1300 casos no próximo mês, todos consideram que esse número pode ser ainda superior.
Para Pedro Esteves, “os casos em Portugal vão aumentar exponencialmente, acho que vai ser pior (do que 1300), é só olhar para os outros países, como Inglaterra”, sublinha. “Acredito que vamos chegar aos dois mil casos nas próximas semanas”, acrescenta.
Sem querer adiantar números concretos, Tato Borges recorda que se tratam de previsões, sendo que a realidade tanto pode ser pior como melhor”.
“Agora, se aumentar a prevalência da nova subvariante da Delta, podemos assistir a aumento de casos ainda superior a esses 1300. Depende de cada um de nós e da atitude preventiva do Governo, de voltar atrás em algumas dessas medidas”, reitera.
Também Bernardo Gomes é da mesma opinião. “Não é de descartar (que o número possa ser maior), porque falamos de uma infeção com base exponencial e se temos um crescimento de Rt acima de 1, quer dizer que há um aumento contínuo”, explica.
“Mas temos que ter a noção que o aumento de casos não se traduz necessariamente num aumento preocupante de internamento e óbitos”, sublinha ressalvando que ainda assim “convém não arriscar muito”.