Governo pondera acabar com a obrigatoriedade do certificado em restaurantes e discotecas, para dar impulso ao setor.

Governo ouve peritos quarta-feira. Evolução favorável da situação epidemiológica permite rever algumas medidas que foram reintroduzidas em dezembro, como a exigência de certificados e testes no acesso a vários espaços

Ninguém sabe se os países voltarão a ter de reimpor restrições perante um aumento inesperado de infeções por SARS-CoV-2 ou o aparecimento de uma nova variante. Mas por agora os tempos são de alívio, nalguns casos já total: a Dinamarca tornou-se no início de fevereiro o primeiro país da União Europeia a eliminar todas as medidas excecionais de controlo da pandemia; no Reino Unido, o primeiro-ministro também já anunciou que fará o mesmo até ao final do mês, estando previsto mesmo o fim da obrigatoriedade de isolamento para quem teste positivo.

Por cá, os peritos que têm aconselhado o Governo preparam novas orientações para o controlo da epidemia em Portugal, que serão discutidas esta quarta-feira. Na quinta-feira, será a vez do Conselho de Ministros decidir se avança desde já com alguma alteração.

Isto numa altura em que vários indicadores dão sinais de melhoria: desde a diminuição da incidência, à velocidade de transmissão (Rt abaixo de 1), passando pela pressão do SNS. Apesar dos recordes no número de infeções diárias registadas (com um máximo de 65.700 casos a 26 de janeiro), o país passou pelo pico desta 5ª vaga sem sequer se aproximar das linhas vermelhas estabelecidas para a ocupação hospitalar, em particular em unidades de cuidados intensivos.

“Há três factores que se conjugam para que estejamos agora numa fase diferente da pandemia: estamos a assistir a uma diminuição sustentada de casos, mesmo que parte da redução possa ter a ver com o fecho dos laboratórios Germano de Sousa; temos uma enorme quantidade de pessoas protegidas e com imunidade, seja por via da vacinação, seja por contacto com o vírus; e mesmo quando essa proteção não impede a infeção, as manifestações da doença já não têm a mesma gravidade que tinham”, assinala a presidente da Associação Portuguesa de Epidemiologia, Elisabete Ramos.

Para Gustavo Tato Borges, presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, o alívio deve ser “faseado”, com restrições que podem ser levantadas desde já e outras que devem ser mantidas durante mais umas semanas. “Se contivermos de forma mais assertiva a transmissão do vírus, a eliminação de outras medidas no futuro pode ser feita com mais segurança e menos risco de ver os casos aumentar novamente.”

Estes são alguns dos temas que deverão ser abordados pelos especialistas:

Isolamento de infetados

Neste momento, quem teste positivo para o SARS-CoV-2 e esteja com sintomas ligeiros ou mesmo assintomático tem de cumprir um período isolamento de sete dias, seguido de alta automática. O mesmo período está previsto para os coabitantes (que ainda não tenham dose de reforço da vacina), mesmo que estes nunca cheguem a testar positivo nesse hiato. Há países, como os EUA, onde os isolamentos duram apenas cinco dias. E, no Reino Unido, Boris Johnson já disse pretender acabar com este isolamento no final do mês: a recomendação para não ir trabalhar passará a ser a única orientação. Já a recomendação do European Center for Disease Control continua a ser a do isolamento por seis dias. No caso das crianças, para que não fiquem sem ir à escola por tantos dias, Elisabete Ramos defende que já seria possível fazer alguma alteração, mantendo medidas de proteção como o uso de máscara. Já Gustavo Tato Borges considera que as regras se mantenham tal como estão durante “mais duas ou três semanas”.

Máscaras

O decretar do estado de calamidade, no passado dia 1 de dezembro, trouxe de volta as máscaras em todos os espaços fechados e recintos. E ainda que não seja de prever que elas deixem de ser requeridas em espaços onde se concentrem muitas pessoas próximas umas das outras (como transportes públicos), durante largos períodos de tempo (salas de aula) e onde estejam pessoas mais vulneráveis (lares e unidades de saúde), um dos caminhos possíveis é voltar à situação pré-calamidade, em que as máscaras não eram exigidas em todos os espaços interiores, como lojas e restaurantes.

Certificados digitais

O certificado digital é atualmente exigido para entrar em restaurantes, hotéis, eventos com lugares marcados e ginásios. A questão que se coloca é a de saber se num país onde a taxa de vacinação primária é de 95% e a de reforço supera os 90% entre as pessoas com mais de 60 anos esta necessidade continua a ser relevante. “O certificado distingue muito pouco neste momento. A maior parte das pessoas ou está vacinada ou está recuperada”,  aponta Elisabete Ramos. E a verdade é que, na prática, muitos estabelecimentos nem sequer fazem já esse controlo.

Testes

Em relação aos testes de despiste e depois de um período de apelo à testagem massiva – sobretudo no período das festas, em que os contactos entre gerações se multiplicam, a Ómicron estava em acelerada expansão e o processo de reforço da vacinação ainda não tinha atingido os níveis atuais – a ideia será também mudar de paradigma. Há quem defenda que a testagem deve passar a ser feita com mais critério, em circunstâncias específicas e perante sintomas. Hoje em dia, quem ainda não tem dose de reforço tem de apresentar teste negativo para ir a um bar ou discoteca, a um estádio de futebol ou pavilhão desportivo, numa visita a um lar ou hospital. Também aqui, a presidente da Associação Portuguesa de Epidemiologia defende que os testes sejam usados mais numa lógica de “diagnóstico” perante o aparecimento de sintomas sugestivos da doença. Mais prudente, o presidente da Associação de Médicos de Saúde Pública considera que a testagem em massa deve ser mantida como forma de quebrar cadeias de contágio. Admite, no entanto, que a realização obrigatória de teste para acesso a determinados espaços se limite a lares, hospitais e grandes eventos.  O mesmo princípio poderia ser aplicado à apresentação de certificado de vacinação/recuperação.

Boletim diário da DGS

O primeiro boletim diário da DGS foi publicado a 3 de março de 2020, dando conta de quatro casos em Portugal. O relatório de situação distinguia-os entre casos importados e contágios já em Portugal e fazia um descritivo dos sintomas: febre, tosse, dores musculares e um caso de fraqueza generalizada. À medida que as infeções aumentaram, começaram depois a surgir os dados relativos à hospitalização e morte. Caíram os descritivos de sintomas e acrescentaram-se indicadores de incidência e transmissibilidade. Mas 715 relatórios diários de situação depois, a essência dos boletins manteve-se: dar conta, todos os dias, do número de casos positivos de infeção registados. Gustavo Tato Borges acredita que as alterações que irão necessariamente ocorrer não são para já: “Quando deixarmos de procurar ativamente todos os casos e a covid-19 passar a ser mais uma infeção respiratória como as outras, aí a vigilância poderá passar a ser feita por amostragem, com uma rede de médicos sentinela  e os boletins a serem publicados semanalmente, como é feito com a gripe na época de inverno, por exemplo. Mas é preciso preparar essa transição, o que só deve acontecer no final da primavera.”

Álcool na rua

A última resolução do Conselho de Ministros sobre o controlo da situação epidemiológica proibiu o consumo de bebidas alcoólicas na via pública, com exceção das esplanadas licenciadas para o efeito. Há ainda uma limitação relativa à ocupação dos espaços abertos ao público, com uma lotação máxima indicativa 0,20 pessoas por metro quadrado. Mas estas são duas considerações que poderão cair já esta semana.

Estado de calamidade

Com o aumento de casos de infeção no final do ano, o aparecimento da variante Ómicron e o período de Natal e Ano Novo, o Governo voltou a elevar o estado do país do nível de alerta para calamidade, o mais alto dos três previstos na Lei de Bases da Proteção Civil. Este estado de calamidade vigora desde 1 de dezembro, mas também pode ser alterado perante a evolução favorável de todos os indicadores.