Apesar das diferentes opiniões e da crescente insatisfação, muitos consideram que apenas um grave problema de saúde fará com que o chefe de estado russo deixe o poder.
A opinião dos ‘homens fortes’ do Kremlin quanto à guerra na Ucrânia parece ter voltado a mudar. Pelo menos é o que avança o meio independente Meduza que, três meses após o início da invasão russa, lança que a insatisfação para com o presidente, Vladimir Putin, começa a ser um sentimento partilhado tanto pelas elites próximas do chefe de estado, como pelos seus opositores.
Se em março a maioria se mostrava aterrorizada com as sanções, uma onda de patriotismo terá tomado conta dos funcionários Kremlin nos meses que se seguiram, apelando para que a Rússia lutasse “até ao amargo fim”. Agora, contudo, os ânimos voltaram ao campo do pessimismo, uma vez que “não será possível viver como antes”.
“Qualquer conversa sobre desenvolvimento foi pela janela. Mas a vida continua. Há o mercado paralelo. Há o comércio com a China e a Índia”, disse uma fonte do Kremlin ao órgão noticioso.
Ainda assim, não há, na mente dos oficiais russos, um cenário no qual Putin consiga colocar um ponto final ao conflito na Ucrânia e, ao mesmo tempo, mantenha a sua reputação na Rússia. A Meduza refere mesmo que a administração do país está a equacionar uma forma de “sair com dignidade” desde o início da invasão, mas ainda sem solução à vista.
“Quase ninguém está feliz com Putin. Os empresários e membros do Kremlin estão descontentes com o facto de que o presidente começou esta guerra sem pensar na dimensão das sanções. A vida normal sob estas sanções é impossível. Os ‘falcões’ estão chateados com a progressão da ‘operação especial’; acham que é possível levar a cabo ações mais decisivas”, descreveu outra fonte próxima de Putin, acrescentando que, aos olhos das elites, a Rússia tem de “atacar com mais força”.
Para isso, seria necessário recrutar militares na reserva e “jogar para ganhar”, idealmente através da tomada de Kyiv. Contudo, mesmo os que apoiam a invasão mostram-se reticentes tanto em voluntariar-se, como em enviar os seus entes queridos para a linha da frente, reporta a Meduza.
No outro lado do espectro, a maioria da população, e até mesmo empresários, está descontente com as ações de Putin e apela a uma solução de paz com a Ucrânia, num momento em que as dificuldades económicas se acumulam, à medida que as sanções contra a Rússia aumentam.
Além disso, o presidente não considera que os problemas económicos que o país enfrenta estejam diretamente relacionados com a sua ‘operação especial’, posição que expressou diretamente ao governador de Kaliningrad, a 20 de maio, justificando que a diminuição das receitas do sector da construção se devem à recessão de 2020 e 2021, e não à ofensiva.
Nessa linha, as conversas sobre o “futuro depois de Putin” aumentam no seio das elites russas. “Não é que queiram depor Putin agora, ou que estejam a conspirar, mas há um entendimento de que ele não governará num futuro próximo”, explicou uma fonte próxima do chefe de estado.
“O presidente fez asneira, mas poderá concertar tudo, chegando a um acordo com a Ucrânia e o Ocidente”, complementou outra fonte, admitindo, contudo, que alguns oficiais já discutem um potencial sucessor.
A lista inclui Sergey Sobyanin, governador de Moscovo, Dmitry Medvedev, antigo presidente e atual secretário-geral do Conselho de Segurança, e ainda Sergey Kiriyenko, vice-chefe da administração presidencial.
Apesar de tudo, estes informadores referem que as elites russas reconhecem que apenas um problema de saúde fará com que Putin deixe o poder, pelo que a insatisfação é debatida essencialmente em conversas privadas.
“As pessoas estão enojadas, mas continuam nos seus trabalhos, ajudando o país na guerra.”
A invasão russa da Ucrânia – justificada por Putin pela necessidade de “desnazificar” e desmilitarizar aquele para segurança da Rússia – foi condenada pela generalidade da comunidade internacional, que respondeu com o envio de armamento para a Ucrânia e a imposição à Rússia de sanções que atingem praticamente todos os setores.
Esta quarta-feira, a Organização das Nações Unidas (ONU) confirmou que 3.974 civis morreram e 4.654 ficaram feridos no conflito, que entrou no seu 91.º dia. Ainda assim, o organismo sublinhou que os números reais poderão ser muito superiores, e que só serão conhecidos quando houver acesso a cidades cercadas ou a zonas até agora palco de intensos combates.