“Não consigo imaginar outra pena que não a máxima”
O Tribunal de Setúbal condenou, esta terça-feira, pelo homicídio qualificado de Jéssica os quatro arguidos – Inês Sanches, Tita, Esmeralda e Justo – a 25 anos de cadeia. “Não consigo imaginar outra pena que não a máxima. A Jéssica perdeu o direito à infância de forma medieval”, reconheceu o juiz.
Tita e Esmeralda foram consideradas isentas do crime de coação, bem como o de rapto. O Tribunal de Setúbal deixou cair também a acusação de tráfico de droga a Eduardo e aos restantes arguidos. Os suspeitos foram também absolvidos do crime de violação.
O pai de Jéssica foi “simbólico”, reconheceu o coletivo de juízes, que deixou claro que o Estado também falhou neste caso. No que toca a indemnização, o pai de Jéssica vai receber um valor simbólico de 50 mil euros.
O juiz-presidente Pedro Godinho deu quase todos os factos como provados, na leitura do acórdão do caso de Jéssica, à exceção do motivo pela qual Inês Sanches levou a filha para casa dos arguidos, entregando-a ao cuidado de Tita. Ficou ainda provado que a menina de 3 anos foi exposta nesses cinco dias a drogas como cocaína, metadona e paracetamol.
“A única testemunha que falou verdade foi a Jéssica. Falou foi depois de morrer, pelas perícias que lhe foram feitas. São os únicos elementos dados como seguros, o único em que se podem agarrar”, afirmou o juiz.
O caso remonta a junho de 2022, quando Jéssica morreu devido aos maus-tratos que lhe foram infligidos durante os vários dias que esteve ao cuidado de uma suposta ama, Tita.
O despacho de acusação do Ministério Público referiu que, durante os cinco dias em que permaneceu na casa de Tita como garantia de pagamento de uma dívida da mãe, de 200 euros, por alegadas práticas de bruxaria, a menina foi sujeita a vários episódios de maus-tratos violentos e utilizada como correio de droga.
Jéssica só foi devolvida à mãe cerca das 10 horas do dia 20 de junho de 2022, numa altura em que já não reagia a qualquer estímulo.
Os sinais evidentes do seu sofrimento foram ignorados durante várias horas pela própria mãe, facto que a investigação considerou que também poderá ter contribuído para a morte da criança, que ocorreu poucas horas depois no Hospital de São Bernardo, em Setúbal.
O juiz-presidente, no final da sessão, enfatizou aos órgãos de comunicação social que “o pormenor que foi posto na análise prova neste julgamento, que foi muito difícil, e o tempo. Foi um processo que começou em junho do ano passado e hoje, dia 1 de agosto, temos uma decisão em primeira instância”.
“É importante explicar porque esta criança merece que se explique, num caso que chocou todo o país”, frisou o juiz.
Segundo o acórdão do Tribunal de Setúbal, Jéssica sofreu múltiplas pancadas, com mãos, pés e objetos. Da cabeça à ponta dos pés. Pelo menos sete pancadas na cabeça, cinco no abdómen, 17 no braço direito, 10 na perna direita e 13 na perna esquerda. Um total mínimo de 78 fortes pancadas da criança.
A menor sofreu ainda múltiplos golpes por ações de unhas ou objetos cortantes. Um total mínimo de 106 picadas, pelo menos 17 beliscões na cabeça, dois no pescoço, sete no braço direito, sete no braço esquerdo. Também 12 na perna direita e 13 na perna esquerda. Por último, ficou provado que Jéssica foi queimada por ação de fonte de calor com líquido fervente e sofreu pelo menos três fortes embates com a cabeça em superfícies duras, assim como múltiplos puxões de cabelo, arrancados aos tufos pela raiz.