Segundo uma investigação do FBI, dezenas de pessoas, entre as quais a actriz Felicity Huffman da série Donas de Casa Desesperadas, terão pago milhões de dólares para garantir que os filhos entravam de forma fraudulenta em universidades de topo nos EUA como Yale, Stanford e Georgetown.
Meia centena de pessoas foram acusadas, nesta terça-feira, de envolvimento num gigantesco esquema fraudulento que garantiu a entrada a inúmeros alunos em universidades conceituadas dos Estados Unidos — como Yale, Stanford, Georgetown, a Universidade do Sul da Califórnia (USC) e a Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA) — através do pagamento de milhões de dólares.
Entre figuras de Hollywood e directores executivos de grandes empresas, pelo menos 33 pais são acusados de terem pago elevadas quantias para garantir que os seus filhos eram aceites em determinadas universidades dos EUA, segundo a acusação judicial agora feita pública. Mas no esquema estariam também envolvidos treinadores desportivos de universidades de topo, que são acusados de aceitar subornos de milhões de dólares para garantir que determinados alunos fossem aceites nas instituições de ensino ao abrigo de programas teoricamente reservados para jovens atletas promissores (e que acabaram por acolher estudantes que não preenchiam os requisitos académicos e atléticos necessários).
Segundo o diário New York Times, esta é o maior processo relacionado com candidaturas universitárias alguma vez movido pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos. A investigação mobilizou 200 agentes a nível nacional e resultou em acusações contra 50 pessoas em seis estados norte-americanos.
Uma dona de casa desesperada
Um dos acusados é a actriz Felicity Huffman, estrela da série televisiva Donas de Casa Desesperadas. De acordo com a acusação, citada pela BBC, a actriz terá feito uma “contribuição de caridade” no valor de 15 mil dólares (cerca de 13,3 mil euros, ao câmbio actual) para que a sua filha mais velha fosse admitida numa das universidades em causa. Posteriormente, Felicity Huffman terá tentado recorrer novamente ao mesmo esquema (no momento da candidatura da sua filha mais nova à faculdade) mas acabou por desistir.
A actriz é acusada de conspiração para cometer fraude e terá sido gravada a discutir os contornos do esquema com uma testemunha. A mesma testemunha ter-se-á encontrado com Felicity Huffman e o marido, o actor William H Macy, na casa do casal em Los Angeles, para explicar o plano com o qual ambos os actores “concordaram”. No entanto, William H Macy, estrela de Shameless, Fargo e Magnolia, não está indiciado de nenhum crime.
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Universidades públicas para ricos
Lori Loughlin, actriz conhecida pela sua participação na série de comédia Full House, também estará entre os suspeitos, juntamente com o marido Mossimo Giannulli. O casal “acordado pagar subornos no total de 500 mil dólares [cerca de 443 mil euros, ao câmbio actual] para que as suas duas filhas fossem recrutadas” pela equipa de remo da Universidade do Sul da Califórnia (USC), segundo documentos citados pela BBC. Ambas as filhas do casal continuam a frequentar a USC.
No escândalo estarão também envolvidos vários empresários de topo, um estilista de moda e um advogado de renome, assim como alguns responsáveis pelos exames de admissão que são acusados de manipular as avaliações dos estudantes, segundo o New York Times.
Um negócio de 25 milhões de dólares
As autoridades acreditam que a mente por detrás do esquema é William Rick Singer, de 58 anos, fundador da empresa de aconselhamento para estudantes Edge College & Career Network (também conhecida como “The Key”). Nesta terça-feira, William Rick Singer, acusado de crimes de extorsão, lavagem de dinheiro e obstrução da justiça, declarou-se culpado durante uma audiência no tribunal federal de Boston. “Sou absolutamente responsável”, disse Singer em tribunal, citado pela agência Reuters.
Pelos serviços da Edge College & Career Network, estes pais estariam dispostos a pagar entre vários milhares e 6,5 milhões de dólares, segundo valores referidos pela BBC. A estação britânica avança ainda que, entre cerca de 2011 e 2018, William Rick Singer terá lucrado à volta de 25 milhões de dólares com este negócio.
De acordo com informações divulgadas pelo FBI e citadas pela BBC, os pais diziam às universidades que os seus filhos tinham uma incapacidade que obrigava a que estes tivessem mais tempo disponível para realizar os exames. Depois, inventavam uma “desculpa” – como, por exemplo, um casamento de um membro da família – para que o estudante em questão realizasse o exame de admissão em instalações específicas, onde estariam funcionários (envolvidos no esquema) que ignoravam quaisquer tentativas dos alunos de copiarem. Entre as opções estariam ainda a possibilidade de um associado da Edge College & Career Network realizar o exame na vez do aluno ou de fornecer/corrigir as respostas às perguntas que constavam no exame. De forma a não levantar suspeitas, o associado seria ainda informado sobre a nota que o estudante deveria tirar no exame (para que esta não fosse muito díspare da média do aluno).
As autoridades crêem que a maior parte dos alunos não teria conhecimento de que a sua admissão na faculdade era conseguida através do pagamento de um suborno, não existindo também provas de que as universidades estivessem envolvidas. Mas em alguns estudantes estariam efectivamente conscientes do esquema, acredita o FBI.
Uma outra forma de garantir a entrada nas universidades seria através da criação, pela Edge College & Career Network, de perfis atléticos falsos dos alunos para que estes conseguissem bolsas de estudo para desportivas, numa prática que envolvia a manipulação de fotografias. Segundo a BBC, a empresa chegou a fazer montagens que incluíam os rostos dos alunos e imagens de atletas que estavam disponíveis online. Aqui, também os treinadores desportivos das várias universidades teriam um papel: o de recomendar internamente certos candidatos, em troca de subornos.
Nesta terça-feira, John Vandemoer, de 41 anos, antigo treinador de vela da Universidade de Stanford, também terá admitido em tribunal, de acordo com a Reuters, que chegou a receber subornos para recrutar determinados alunos para a sua equipa de vela.
Riqueza e fraude
Para Andrew E. Lelling, procurador no estado de Massachusetts, os pais são “os principais responsáveis por esta fraude”, utilizando a sua riqueza de forma ilícita para conseguirem que os seus filhos sejam aceites em “universidades de elite”, segundo disse o magistrado, citado pelo New York Times, nesta terça-feira.
Segundo Lelling, “as verdadeiras vítimas neste caso são os estudantes que trabalham duro”, que foram afastados de vagas nas universidades por causa de “alunos muito menos qualificados e das suas famílias que simplesmente compraram a sua admissão”, sublinhou.
Visão com a qual concordam as autoridades federais, citadas pelo New York Times, que alegam que o facto de os pais usarem a sua capacidade financeira para garantir a entrada dos filhos nestas universidades não só constitui uma fraude, como poderá interferir com a educação de outros estudantes, menos privilegiados, que trabalharam arduamente para conseguirem o seu lugar na universidade.