Cerca de três dezenas de professores e funcionários escolares permanecem acampados em frente à Assembleia da República em protesto contra a falta de condições laborais, acusando o Governo de pôr “a escola a dormir na rua”.
manifestação nacional organizada no sábado pelo Sindicato de Todos os Profissionais de Educação (STOP) terminou numa vigília frente ao Parlamento, onde hoje ainda permaneciam 18 tendas.
Numa dessas tendas está Carlos Teixeira, que trocou o conforto da sua casa em Guimarães, onde dá aulas de Físico-Química, pela calçada portuguesa onde dormiu nas últimas duas noites.
“Estou a passar um bocado de frio porque não queria vir muito pesado, então trouxe pouca coisa”, contou à Lusa, mostrando o seu “T0” quase vazio onde se destaca apenas um monte de folhas: “São os testes dos meus alunos do 8.º e do 9.º anos. Trouxe para corrigir, mas ainda só conseguir corrigir cinco”, explicou.
Para o professor, corrigir testes numa tenda “não é um problema. Problema é ter de justificar qualquer negativa que queira dar”, disse, criticando “as políticas de facilitismo” e as dificuldades em reprovar alunos sem conhecimentos suficientes para passar.
Este é um dos motivos que levou Carlos Teixeira a participar no protesto, assim como a instabilidade profissional de quem não consegue ficar efetivo ou dá aulas longe de casa.
“O que se passa na vida de um professor quando tem de se coordenar com a família que está a 200 quilómetros de distância?”, questionou o docente de 49 anos, que passou mais de metade da vida a ensinar.
Rute Ribeiro é um desses casos. Depois de ter ficado colocada em duas escolas no mesmo ano e de ter chegado a “dormir no carro”, sentiu que estava na hora de ter uma vida mais estável e, aos 40 anos, concorreu para Lisboa.
Trocou a casa no Porto por uma escola na capital, onde descobriu que o salário de pouco mais de mil euros não permitia pagar sozinha uma renda em Lisboa. Durante anos, dividiu quartos com desconhecidos e partilhou casas de banho enquanto pagava o empréstimo da casa no Porto.
Agora que o marido está em Lisboa, a dar algumas horas de aulas por semana a troco de 800 euros, conseguiram arranjar uma casa: “Alugámos um apartamento na periferia de Lisboa por 700 euros, porque perto dos nossos trabalhos é completamente impossível. Tal como eu, há centenas e centenas de colegas deslocados”, contou.
Rute Ribeiro é o rosto de um dos problemas sentidos pelos professores deslocados, que se tornou uma reivindicação dos sindicatos e até dos diretores escolares, que pedem um subsídio de deslocação a quem fica colocado longe de casa, à semelhança do que acontece noutras carreiras.
A falta de resposta da tutela levou a professora na Secundária Fonseca Benevides a participar também neste protesto, apesar de continuar a trabalhar agora da sua tenda montada em frente ao Parlamento, onde se podem ler mensagens como “Escola a dormir na Rua, Governo a culpa é tua”.
Antes de falar com a Lusa, tinha estado no computador com um aluno: “Ele é bailarino e, como está no Mónaco, estava a enviar-me o seu caderno on-line”, disse a professora de Filosofia.
A vigília, que começou no sábado, contava hoje com menos participantes, porque muitos tinham de estar nas escolas, segundo o coordenador nacional do STOP, André Pestana.
“Estão a decorrer serviços mínimos que são cada vez mais máximos e estão a obrigar os docentes e não docentes a estar nas escolas, privando-os do direito à greve”, disse à Lusa, reconhecendo que a vigília está a ser fisicamente exigente devido às baixas temperaturas.
“Foi mais uma noite difícil, mas não é tão difícil como [a vida dos] assistentes operacionais que depois de 10, 20 ou 30 anos de serviço recebem 700 euros ou dos milhares e milhares de docentes a quem roubaram mais de seis anos de serviço”, salientou André Pestana.
Carla Figueiredo é uma das assistentes operacionais acampadas em frente ao parlamento. Aos 58 anos de idade, a funcionária que trabalha no bar de uma escola de Albufeira leva para casa, no fim do mês, menos de 650 euros.
“O salário são 761 euros, mas com os descontos fica à volta de 640 euros”, disse à Lusa, sublinhando que antes do aumento em janeiro ainda recebia menos.
Na casa de Carla Figueiredo, há dias em que “só há arroz e feijão”.
A funcionária diz que já está “habitada a viver com pouco”, mas gostava de falar com o ministro da Educação: “Gostaria de perguntar ao senhor Ministro se ele consegue viver com 760 euros, porque se consegue podia-nos ensinar, já que ele não estica nas promessas”, criticou.
À Lusa, a assistente operacional contou que foram as netas que lhe emprestaram a tenda e preparam a mochila: “Estou a lutar por mim, pelas minhas colegas e também pelas minhas netas, que estão na universidade de Beja e querem ser professoras”, contou.
Também Isabel Pessoa, docente na Póvoa do Varzim, disse estar a lutar pela classe. A professora de Biologia e Geologia criticou algumas das propostas da tutela, como a possibilidade de os diretores escolares colocarem em duas escolas os docentes com poucas horas letivas atribuídas.
“Sou transmontana, deixei a vida toda em Trás-os-Montes e fui para a Póvoa para ter uma vida estável e agora o senhor ministro vai dizer que eu, sendo uma professora do quadro da escola, vou ter de suprir necessidades em várias escolas. Vou ter de gastar do meu combustível, andar no meu carro outra vez. Eu tenho 47 anos, já não tenho idade para andar com isto, senhor ministro”, criticou a docente.
Isabel Pessoa contou à Lusa que, nestes dois dias de acampamento, os professores têm recebido ajuda de populares que têm deixado produtos alimentares e até roupas para dormir “porque tem estado muito frio”.
Enquanto Isabel Pessoa falava à Lusa, uma carrinha branca parou em frente às tendas e deixou várias caixas com chá “para aquecer os que lutam”, disse o motorista da carrinha, que partiu sem se identificar.