José Dinis critica modelo atual de contagem dos tempos de resposta e defende mudança urgente no sistema de métricas do SNS.

O coordenador do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas (PNDO) da Direção-Geral da Saúde, José Dinis, considera que a alegada redução de doentes oncológicos em lista de espera para cirurgia apresentada no relatório de acompanhamento do Plano de Emergência para a Saúde “se baseia num erro” e não traduz, de forma fidedigna, a realidade do sistema.

Segundo o relatório, até 31 de março de 2025, havia cerca de 1.500 doentes com cancro à espera de cirurgia para além do Tempo Máximo de Resposta Garantido (TMRG), uma redução de 1.100 casos face ao mesmo período de 2024. Contudo, para José Dinis, a descida é “pouco significativa” e o modelo de contagem utilizado é “obsoleto e absurdo”.

“Quando começa, de facto, o tempo de espera?”

Em declarações à Renascença, José Dinis admite que os relatórios “são importantes” e valoriza a tendência de redução. No entanto, alerta que há um erro de base no cálculo destes tempos, devido a uma definição legal imprecisa:

“Atualmente, a lei define que o relógio começa a contar quando o doente assina a proposta de uma cirurgia. Mas isto não reflete a realidade”, afirma o responsável.

O coordenador do PNDO defende que o tempo de espera deveria começar a contar no momento em que é apresentada ao doente a proposta de cirurgia numa consulta multidisciplinar — o método que considera cientificamente mais válido e internacionalmente consensual na abordagem ao tratamento oncológico.

Tumores diferentes, critérios diferentes

José Dinis alerta ainda para os riscos da generalização dos dados. Embora o relatório indique 1.500 doentes a aguardar além do TMRG, esse número “pode esconder realidades clínicas muito diferentes”.

“Podemos ter 200, 300 ou 100 casos em que a espera compromete a sobrevivência, mas outros podem ser clinicamente irrelevantes, porque os tumores não são todos iguais”, esclarece.

Para ilustrar a falha do sistema atual, dá um exemplo:

“Se um tumor, num hospital, tem como referência 15 dias para ser operado e é intervencionado ao 16.º dia, entra como ‘fora de prazo’. Mas se noutro hospital a prioridade for fixada em 45 dias e for operado ao 44.º, está ‘dentro do tempo’. Isto é um absurdo completo.”

Reforma urgente do modelo de avaliação

A posição de José Dinis reforça os apelos recentes de peritos envolvidos no acompanhamento do Plano de Emergência e Transformação da Saúde, que também defendem uma revisão profunda das métricas de avaliação e a exploração de alternativas não cirúrgicas para reduzir listas de espera, sobretudo em áreas como intervenções vasculares, cardiovasculares e broncológicas.

O alerta do coordenador oncológico sublinha que sem uma redefinição clara e rigorosa dos tempos clínicos e das prioridades, as estatísticas podem continuar a esconder situações críticas que afetam diretamente a sobrevivência e a qualidade de vida dos doentes.