Marketing, psicologia, manipulação. Por detrás de cada montra, disposição dos produtos na loja, afixação de preços, comportamentos dos funcionários, luzes, música ambiente ou até número de caixas abertas existe uma intenção: fazê-lo comprar mais. E é isso que acontece na maior parte das vezes, sobretudo no mês do Natal.
A maioria de nós acha que tem tudo controlado. Fartinhos de saber os truques todos das lojas para vender. “A mim já não me enganam”, pensamos, enquanto fazemos a lista de compras do supermercado ou dos presentes de Natal ou do que seja que nos faz rumar aos centros comerciais, por mais que preguemos pelas vantagens e pela importância do comércio tradicional.
Tudo organizadinho na cabeça, e na carteira, para não sermos apanhados nas armadilhas do consumo, do marketing e das estratégias de vendas. “A mim já não me enganam“, mas os anúncios de saldos ou promoções antecipados naquelas lojas de que mais gostamos impelem-nos irremediavelmente a entrar. E uma vez lá dentro, tudo se torna mais complicado. Nada é deixado ao acaso, não tenhamos ilusões.
Arredondar para baixo
Se não resultasse há séculos, os vendedores não continuariam a utilizar a técnica mais básica e talvez mais eficaz que há para nos fazer comprar: o ,99 ou ,95, vá. Porque somos otimistas inveterados ou porque só precisamos de um pequeno estímulo para justificar a compra de mais um casaco, ou par de calças, ou camisola, ou vestido, ou livro, ou perfume (inserir o produto a que não resiste), a verdade é que quando vemos marcado um preço do tipo 19,99, não pensamos na nota de 20 euros que vai voar da nossa carteira. Arredondamos para baixo e sentimo-nos triunfantes com a pechincha que acabámos de adquirir, ainda que, bem vistas as coisas, não seja pechincha nenhuma.
Promoções imperdíveis (só que não)
Na mesma lógica de poupança que se salda em gasto a mais estão os anúncios de promoções ou saldos fora de época. São um desafio à inteligência e à racionalidade, até porque todos os anos se repetem. Sabemos que daqui a um mês é que chegam os saldos a sério, mas o Natal vem antes e quem é que pode esperar por esses saldos para comprar as prendas? O anúncio de promoção, mesmo que quando vamos ver diga respeito apenas aos artigos assinalados (na maioria das vezes, restos da coleção do ano passado ou, pior, de verão), leva-nos a dar de caras com produtos que desejamos e a que muitas vezes acabamos por não resistir, já que ali estamos.
Luzes da ribalta e música ambiente
Tudo estudado. As luzes que fazem as coisas todas brilhar mais e ter um glamour que por vezes desaparece à luz do dia ou lá de casa, assim como as músicas calmas ou alegres, que ligam a nossa boa disposição, mesmo que esta não ande lá nos píncaros, e nos fazem sentir com mais tempo para deambular por aqueles corredores cheios de coisas que gostaríamos de ter, e nos despertam a generosidade, para com os outros e com nós próprios (eu trabalho tanto, mereço este vestido!).
À sua disposição
Os funcionários de uma loja são determinantes para o êxito da mesma. Nas lojas de luxo, convém um determinado nível de snobeira, mas sem exageros. O cliente certo nem dará por eles, os outros, se caírem na tentação de entrar (e tiverem dinheiro para gastar), é bem possível que comprem só para se sentirem à altura. Nas lojas para o comum dos mortais, o segredo é ser solícito sem ser insistente, é ser invisível até ao momento em que a sua presença seja requisitada. Quantos mais pedidos atender ao mesmo consumidor, maior probabilidade terá de vender alguma coisa, uma vez que aumenta a probabilidade de a pessoa se sentir em dívida perante a simpatia e a disponibilidade do vendedor.
Tudo estrategicamente “emprateleirado”
Uma das áreas mais estudadas das vendas e do marketing é a colocação dos produtos. Dos supermercados às lojas de roupa, das livrarias às lojas de eletrodomésticos, todos têm técnicas precisas para levar o consumidor a comprar mais. Os produtos essenciais estão em locais diferentes para levar a pessoa a percorrer todo o estabelecimento. As promoções e os itens mais catchy, que atraem a atenção, são colocados à entrada, para convidar à visita. E ao nível dos olhos ficam os produtos ou as marcas mais desejados e procurados. O fluxo de “trânsito” dentro da loja também pode levá-lo a gastar mais e, por isso, o consumidor é conduzido no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio, porque está estudado que isso o leva a sentir-se mais à vontade e com menos pressa de sair.
O cliente tão importante que até lhe damos um cartão para fazê-lo sentir-se especial
Nos tempos que correm, o cliente, além de ter sempre razão (mesmo que quando chega a hora de testar esta máxima, as lojas tentem convencê-lo de que tem sempre razão, mas…), também pode ter um cartão que o faz sentir-se especial. Quantos cartões de cliente tem? Quantos sms ou e-mails recebe por semana a avisar dos espetaculares descontos que a loja lhe oferece se lá for hoje? De quantos descontos já beneficiou na verdade? O cartão de cliente, geralmente gratuito, existe para o fazer sentir-se especial e fidelizá-lo à marca. É uma das recentes técnicas de vendas, é fácil, é barato e dá milhões (aos vendedores).
Enquanto espera para pagar, só mais uma tentaçãozinha
Nas lojas de roupa, são os acessórios, nas livrarias é o merchandising, nas lojas de decoração são os pequenos pormenores, nos supermercados são as guloseimas. Em todas as lojas, na fila para a caixa, que convém não ser muito pequena, por isso é que muitas vezes está só uma aberta, são-lhe colocadas debaixo do nariz mais umas quantas tentações, geralmente a preços convidativos. Talvez não precise delas, mas o que importa é a velha máxima do imortal Oscar Wilde, que teria dado o melhor publicitário ou marketeer de todos os tempos: “Consigo resistir a tudo, menos à tentação.” Boas compras!
In “DN”