Depois de Costa Silva ter defendido a medida, Fernando Medina pede reserva e remete para as negociações com parceiros sociais. Portugal pratica a taxa máxima mais elevada da OCDE.

Governo e PS não se entendem quanto à descida do IRC no âmbito do tão anunciado e adiado Acordo de Competitividade e Rendimentos que, nas palavras do primeiro-ministro, António Costa, visa aumentar o salário médio em 20% nos próximos quatro anos. Depois de o ministro da Economia e do Mar, António Costa Silva, ter revelado que era intenção do executivo reduzir de forma transversal a taxa nominal do imposto, esta quarta-feira, o ministro das Finanças, Fernando Medina, veio pôr água na fervura e atirou uma decisão para as negociações com os parceiros sociais.

Para o homem da pasta das Finanças, uma mexida nos impostos “é matéria que está numa negociação de boa-fé, de espírito aberto, de diálogo e respeito pelos parceiros na mesa das negociações e não na praça pública”, afirmou Medina à margem do 7.º Congresso dos Contabilistas Certificados, que decorre em Lisboa até sexta-feira. E defendeu que, “nesta matéria do IRC, como em toda a matéria do acordo, o governo tem uma voz”. Ora o tom de Fernando Medina, assim como o do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, que já recusou um choque fiscal, não afina pelo mesmo diapasão de Costa Silva.

Dentro do PS também não existe unanimidade neste dossiê, sabe o Dinheiro Vivo. Há os que concordam com uma descida do imposto de forma geral, outros preferem que seja uma contrapartida para aquelas empresas que aumentem salários ou reinvistam os seus lucros, tese que tem sido mais defendida por António Costa. Medina destacou ainda que “as posições de partida do executivo constam do programa do governo e incluem favorecer um “apoio forte, significativo ao investimento, à capitalização das empresas, à inovação e à tecnologia”.

A proposta do governo só será dada a conhecer a patrões e sindicatos na primeira reunião da comissão permanente da concertação social dedicada ao acordo de rendimentos, que se realizará no dia 28 de setembro. De resto, a reunião desta quarta-feira do grupo de trabalho entre os secretários de Estado do Trabalho e dos Assuntos Fiscais e os parceiros sociais “não deu em nada”, afirmou a dirigente da CGTP, Ana Pires, ao Dinheiro Vivo. “Esta foi a quinta reunião e o governo continua a não apresentar propostas o que leva a questionar a utilidade deste grupo”, critica. As confederações sindicais e patronais esperavam algo de novo neste encontro, sobretudo depois das declarações do ministro da Economia e do presidente da CIP – Confederação Empresarial de Portugal, António Saraiva, que disse estar confiante numa redução transversal do IRC de 21% para 19%.

Analisando as últimas estatísticas da Autoridade Tributária (AT), referentes a 2020, verifica-se que das quase 522 mil declarações de IRC entregues, apenas 39,6% pagaram imposto.

Ao Dinheiro Vivo, o especialista em direito fiscal, João Espanha, esclarece que “este valor tão reduzido se deve à economia paralela que é muito grande no país”. “Existem milhares de empresas que cobram sem fatura, porque fica mais barato e, assim, não têm os custos associados às obrigações declarativas do IRC”, justifica Espanha. Mas se tão poucas empresas liquidam o imposto, a maioria das quais são grandes companhias, faz sentido baixar a taxa nominal? “Sim, porque um euro a mais nas empresas é um euro a mais na economia”, defende João Espanha. “Sejam micro, pequenas, médias ou grandes empresas, todas vão beneficiar em maior ou menor grau deste alívio fiscal”, defende o fiscalista. Quanto ao problema da evasão fiscal, deve ser atacado por outra via. Espanha considera que o governo deve “criar um regime simplificado, um imposto mínimo especificamente dirigido às micro e pequenas empresas”. Na ótica do especialista, “reduzir o IRC para as empresas que investem não é eficaz, as empresas investem quando o negócio corre bem e aí uma baixa de impostos é uma grande ajuda”.

Portugal é dos 38 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) o que tem a taxa máxima de IRC mais elevada: 31,5%. Neste valor incluem-se várias componentes: “taxa nominal de 21%, derrama municipal que pode ir até 1,5% e derrama estadual que pode ir até 9% para lucros superiores a 35 milhões de euros”, além das tributações autónomas sobre os gastos das empresas, explica João Espanha. O fiscalista defende mesmo que a derrama estadual “deveria ser eliminada porque é um forte desincentivo à atração de investimento internacional, das grandes multinacionais”.

Já a taxa efetiva de IRC, ou seja, o valor do imposto pago face ao lucro contabilístico das empresas, tem diminuído e caiu de 19% para 18,4% em 2020, atingindo níveis de 2009, segundo as últimas estatísticas da Autoridade Tributária. Desde 2011, quando atingiu os 17,2%, que a taxa não era tão baixa.