Crédito à habitação: 90% dos novos contratos têm taxa de esforço inferior a 27%

Os dados do Banco de Portugal revelam que o diploma que o Governo está a trabalhar para levar os bancos a renegociarem os contratos com as famílias terá muito pouco impacto nos contratos após 2019.

Qual é a taxa de esforço dos particulares que celebraram novos créditos à habitação? Segundo os dados do Banco de Portugal, 90% dos créditos realizados desde 2019 foram contratualizados com uma taxa de esforço inferior a 27%. Além disso, os dados compilados pelo supervisor liderado por Mário Centeno apontam para que um milhão de famílias (cerca de 304 mil contratos) que compraram casa nos últimos quatro anos tenham-no feito com uma taxa de esforço inferior a 17%. Assim, para estas famílias, o Banco de Portugal antecipa que a subida das taxas de juro, antecipada pelo mercado até julho de 2023, possa provocar uma subida de apenas seis pontos percentuais na taxa de esforço.

Isto significa que, no pior dos cenários, a taxa de esforço das famílias que compraram casa desde 2019 deverá ficar muito abaixo dos 40%, uma meta definida no diploma que o Governo levará esta quinta-feira a Conselho de Ministro e que “obriga” os bancos a renegociarem os contratos de crédito à habitação para evitarem que as famílias entrem em incumprimento.

É certo que os contratos de crédito à habitação com taxas de esforço abaixo dos 27% representam pouco mais de um quarto do total de contratos que a banca detinha em carteira no final do ano passado, mas são sobre estes novos créditos (realizados após 2019) que o aumento da prestação mais se faz sentir. Os outros, particularmente os mais antigos, não só o montante pedido ao banco foi mais reduzido como hoje apresentam também um saldo em dívida bastante mais baixo.

A margem de renegociação dos contratos será muito limitada

Os dados do Banco de Portugal apontam para que, de uma forma geral, as famílias com crédito à habitação não apresentem uma taxa de esforço do seu crédito muito preocupantes. Além disso, mesmo nos casos das famílias que possam apresentar taxas de esforço mais elevados, espera-se que daí não venham a nascer problemas estruturais nem para a banca nem para a economia, assumindo que os bancos seguiram os trâmites da política macroprudencial do Banco de Portugal.

Entre os vários indicadores recomendados pelo Banco de Portugal para a concessão prudente de crédito está a exigência de os clientes apresentarem um DSTI (debt service-to-income ratio) não superior a 50%. Isto significa que para uma família obter um crédito, o total das prestações mensais de todos os empréstimos detidos pelo agregado familiar não pode ser superior a 50% do seu rendimento mensal líquido. E, para efeitos do cálculo do DSTI nos empréstimos à habitação de taxa variável a mais de 10 anos, os bancos devem considerar um aumento de três pontos percentuais da taxa Euribor – algo que não acontece nos contratos de taxa fixa, porque nestes casos não há lugar a alterações da taxa de juro ao longo do contrato.

Apesar dos dados do Banco de Portugal, é incontornável o preço que a subida das taxa de juro está a ter no orçamento das famílias. Por exemplo, os créditos à habitação indexados à Euribor a 12 meses, com um spread de 1,2% e maturidade de 30 anos que serão revistos em novembro contarão com um aumento de 51% na prestação da casa. Isto significa um acréscimo de 158 euros por cada 100 mil euros de financiamento. (Faça aqui a simulação do seu caso).

Para muitas famílias, a pressão das taxa de juro está a levar a um estrangulamento do orçamento familiar. A Deco revela que desde setembro o pedido de apoio das famílias não tem parado de aumentar, como consequência do aumento do custo de vida e da subida das prestações do crédito à habitação. E o pior é que as soluções para aliviar o orçamento destas famílias são cada vez mais escassas.

A solução mais imediata para baixar a prestação da casa passa por alargar o prazo do contrato, reduzindo assim a prestação mensal. Porém, a maturidade dos contratos de crédito à habitação é já muito elevada, mesmo em comparação com a média da Europa, e está perto dos limites definidos pela politica macroprudencial do Banco de Portugal. Segundo o Relatório de Acompanhamento do Mercado de Crédito, publicado em julho, o prazo médio dos créditos à habitação na carteira das instituições financeiras era de 33,5 anos no final do ano passado.

Esta realidade deixa pouca margem de renegociação por parte dos bancos para alargarem o prazo do contrato, na tentativa de evitar que um contrato entre em incumprimento.