Como gerir o Dia do Pai com crianças que não o têm? Pelas mais variadas razões, uma criança, não tendo essa figura paterna, pode ver-se assoberbada com as celebrações deste dia. As psicólogas Tânia Correia e Filipa Jardim da Silva ajudam com dicas para tornar este dia mais leve.

Independentemente da razão, nem todas as crianças têm um pai. Com a aproximação da celebração do Dia do Pai e com a tradição escolar de presentes feitos pelas crianças para oferecer nesse dia, pode ser difícil para os mais jovens gerir as emoções. 

Muitas escolas optaram já por não celebrar o Dia do Pai ou o Dia da Mãe, preferindo assinalar o Dia da Família, mas a verdade é que tradicionalmente, o dia será celebrado.

Neste caso, cabe aos adultos uma atenção redobrada e abrir um canal de comunicação com a criança para que esta possa expressar os seus sentimentos e pensamentos. 

Para Filipa Jardim da Silva, psicóloga clínica e fundadora e diretora clínica da Academia Transformar, há que explicar, desde tenra idade, que existem vários tipos de família, que não existem só as famílias com uma mãe, um pai e um filho, “dando ênfase à qualidade de afetos entre todos mais do que à sua configuração”. 

Para a especialista, “é importante também, desde cedo, que não se façam sentir estas crianças como estando em falta, como se houvesse algo de errado com a sua estrutura familiar porque não têm uma figura paterna, neste caso, seja porque motivo for”, assevera. 

Já Tânia Correia, psicóloga clínica, alerta para o sentimento de culpa muito comum nestas crianças. “Nenhuma criança responsabiliza o pai ou a mãe por não estarem envolvidos na vida deles. Eles não pensam que o pai é negligente ou que a mãe é desinteressada. A criança acha sempre é que ela é que não foi suficientemente interessante para cativar os pais”, afirma. 

Assim sendo, cabe aos adultos estarem sensibilizados para o peso que este dia pode acarretar. “Quem está à volta tem de estar disponível para ouvir esta criança”, alerta. 

Mas se umas conseguirão traduzir em palavras o que sentem, outras nem por isso. Aí, entram os comportamentos por norma “aparentemente menos ajustados”, que podem ocorrer neste dia. “Temos de nos questionar o que é que a criança tenta expressar pelos comportamentos e ir atrás das emoções”, explica. 

Como podem atuar as escolas?

Quando se celebra o Dia do Pai ou da Mãe, a escola “deverá ter o cuidado de explicar que existem vários desenhos de família e que o mais importante é que todas as crianças tenham adultos que as amam, as protegem e cuidam”, defende Filipa Jardim da Silva.

A psicóloga defende que possa ser dado a escolher a cada criança, para quem quererá dirigir aquela prenda elaborada no âmbito do Dia do Pai. “É importante que o foco seja colocado numa figura de referência à escolha da criança para quem se possa destinar uma prenda construída e até se possa convidar para participar em alguma atividade escolar, se for o caso”, afirma. 

“Poderá ser para uma Super Mãe, no caso de uma família monoparental ou homoparental, poderá ser para uma outra figura masculina de referência como um Padrinho, um Tio ou um Avô. Há é que envolver a criança, dando-lhe essa possibilidade de escolha e de expressão, sem julgamento nem crítica”.

A especialista Tânia Correia defende a mesma linha de pensamento, asseverando, porém, que a criança deve ter a opção de fazer ou não o presente e, mesmo quando o faz, ter a liberdade de não o oferecer a ninguém. “É preciso deixar a decisão do lado das crianças, porque para elas pode não ter o significado que achamos que terá. É preciso não colocar obrigações”, refere. 

A escola deve ainda “trabalhar as diferentes diversidades familiares”, lembrando ainda os casais homossexuais, e como estes temas devem ser discutidos com as crianças no âmbito escolar.

Por sugestão social a cultural, a criança tenderá a procurar uma figura masculina de substituição, mas o “mais importante é que seja a criança a escolher a quem entregar a lembrança”. 

Abolir Dia do Pai/Mãe nas escolas é proteger demasiado?

Enquanto há cada vez mais quem defenda a instauração do Dia da Família, abolindo assim a celebração da mãe ou do pai, há vozes que se levantam em como não se deve ignorar a realidade dos outros 364 dias do ano, não colocando a criança, assim, numa bolha de proteção. 

“A criança não é capaz ainda de distinguir o papel que tem ou não na ausência de um pai, portanto não estamos a proteger em excesso alguém que não tem capacidade para ligar com aquilo”, começa por defender Tânia Correia, acrescentando que evitar expor a criança a algo que lhe provoca dor é o correto a fazer. 

“Acima de tudo este dias são de celebração. Sujeitar uma criança a uma dor intensa não é promover a aprendizagem”, reitera. 

“Construir um ambiente inclusivo na escola não passa por envolver a criança numa bolha de proteção mas sim por modelar os mais novos por valores de igualdade e respeito pela diversidade, com condições de equidade entre todos”, cimenta Filipa Jardim da Silva, afirmando ainda que, por mais inclusiva que seja a escola, continua a ser fundamental que as famílias e os educadores/professores fomentem o desenvolvimento de competências emocionais e pessoais nos mais novos, com vista a que tenham “capacidade de gerir adversidade, de lidar com a diferença e de saber regular as suas emoções nas mais diferentes situações no dia a dia”.

Por fim, Tânia Correia defende que se prefira Dia da Família, uma vez que acredita que este vai “ajudar a que muitas crianças não sintam o peso do dia e a rejeição porque podem integrar neste dia figuras com quem se sentem confortáveis”. Fazendo questão de celebrar o Dia do Pai ou da Mãe, “cada um de nós nos seus lares pode fazê-lo”. 

Famílias tradicionais têm o dever de educar para a diferença 

Para Tânia Correia, também quem está inserido numa família tradicional tem o “dever social de trabalhar os vários modelos de família com as suas crianças”, uma vez as crianças que não estão numa estrutura “tão habitual”, por vezes sofrem comentários por parte de colegas. Estes, na sua maioria, não são feitos com maldade mas sim com “estranheza”, uma vez que a criança está a ser confrontada com uma realidade que desconhece. 

“Esses comentários podem magoar bastante a criança que naquele dia não tem o pai e enquanto sociedade temos de trabalhar com as nossas crianças para evitar estas situações”, refere a especialista. 

No mesmo sentido, Filipa Jardim da Silva, defende que os adultos, “sejam os da família sejam os educadores e professores”, necessitam de estar atentos aos mais novos, mas também de “desenvolver bons níveis de inteligência emocional que lhes permitam escolher bem as palavras e gerir com sensibilidade as diferenças existentes numa sala de aula, tornando o ambiente e a educação mais inclusiva”.