Entrevistado no “Thinking Football”, o presidente do Vitória SC revelou como lida com os êxitos e as frustrações num contexto de restrições, sem nunca perder o sentido de responsabilidade. Decidido a engrandecer o clube, apelou à intervenção da Liga para que algumas assimetrias sejam esbatidas e explicou a contratação do técnico Paulo Turra

Perante uma plateia numerosa no auditório principal do Super Bock Arena – Pavilhão Rosa Mota, no âmbito da segunda edição do “Thinking Football”, António Miguel Cardoso deu-se a conhecer melhor como presidente do Vitória Sport Clube e como pessoa, confirmando que nem sempre consegue controlar as emoções no calor da competição. O presidente do Vitória Sport Clube falou de tudo um pouco, desde a gestão do clube aos treinadores com quem já trabalhou, explicando, com minúcia, os contextos das saídas de Pepa e Moreno Teixeira e escolha recente de Paulo Turra, entre outras revelações. Ninguém arredou pé durante uma entrevista com a duração de pouco mais de 20 minutos.  

Como lida com as emoções: “Acompanho o Vitória SC desde que me lembro. Nos jogos em casa, assistia aos jogos no camarote do meu pai e festejava os golos à vontade. Fora de casa, tinha a mania de assistir aos jogos perto das claques para poder viver o futebol da forma que eu gosto. Neste momento, como presidente do Vitória SC, não deixo de ser uma pessoa que sofre pelo seu clube. Quando assisto aos jogos ao lado de outro presidente, tento controlar-me, mas tive presidentes a festejar golos… E até acho bem. Por um lado, tem de haver respeito; por outro, por vezes esse controlo é impossível. Aconteceu comigo, por exemplo, na época passada num jogo com o Boavista. Quando marcámos, não festejei e nem foi preciso tomar nenhuma pastilha, mas depois o Boavista fez dois golos seguidos… E quando aconteceu o segundo, explodi. Tive de sair de lá. Desci as escadas. Não era por má edução, simplesmente é muito difícil controlar as emoções. É duro”.

A paixão ardente dos adeptos: “Esse é sempre um problema bom. O Vitória SC é um clube grande, com muitos adeptos e muita paixão. É essencial tê-los connosco, como se verificou nos últimos jogos. O clube está em franco crescimento. Temos, por isso, a crítica muito perto de nós todos os dias. É normal, temos de saber lidar com ela. Não há nada a fazer e até muito prazer. Como presidente, gostaria muito que o Vitória ganhasse mais coisas porque temos clube para isso. Temos desenvolvido campanhas a apontar para a ideia de que unidos somos mais fortes e isso é verdade. Tem de haver crítica, mas ela também deve ser sempre construtiva. Neste clube, temos de tomar muitas vezes cem decisões por dia e por vezes falhamos. Outra vez não. Também acontece que as pessoas entendam que tomamos más decisões e, posteriormente, já reconhecem que as coisas correram bem. É aliciante termos uma massa associativa tão forte e isso é excelente para os jogadores. Em casa ou fora, somos muito apoiados. As pessoas vão de Guimarães à Amadora ou a Faro puxar pelo clube, enquanto outros clubes contam com o apoio dos adeptos das cidades onde vão jogar. Isso é único em Portugal”.

A saída de Pepa: “Temos de estar sempre preparados para qualquer eventualidade. A dúvida e a incerteza são permanentes. Quando cheguei ao Vitória SC deparei-me com um passivo de 55 milhões de euros, uma mensalidade à volta de dois milhões e nenhum dinheiro na conta. E as receitas televisivas já haviam sido antecipadas. Todos os dias tinha de tomar decisões para pagar as contas. A responsabilidade era só nossa depois de termos vencido as eleições. E não era nada fácil. Tínhamos de ser flexíveis e todos os dias acontecem coisas diferentes. Quando chegámos ao clube, tínhamos projetos diferentes [em relação ao do treinador Pepa]. A nossa intenção era afastar os jogadores mais velhos e mais caros do plantel, fazendo uma reciclagem do plantel com jogadores mais novos, mais baratos e com maior potencial. Seria necessário maturar essa equipa para depois avançarmos com vendas, como já estamos a fazer. O nosso projeto passava por apostar na formação e em jogadores da II Liga. E quando treinadores que só querem jogadores maduros e mais velhos, como era o caso quando assumimos a direção do clube… E a comunicação ia no sentido de que o Vitória SC estava a reforçar-se com jogadores para a equipa B, era um discurso fraco em relação à ambição da estrutura. Os caminhos não eram convergentes e, por isso, o treinador Pepa saiu”.

A saída de Moreno Teixeira: “Foi um caso totalmente diferente. É um grande vitoriano, gosto muito dele e fez um grande trabalho no Vitória SC. Teve a coragem de assumir o projeto, lutando sempre pelo clube. Sendo de Guimarães, deparou-se com uma pressão muito maior, mas fez um grande trabalho com os jogadores, levando-os a fazer uma grande época desportiva, contrariando muitas previsões. Só que este começo de época não correu bem na Europa e isso foi um grande murro no estômago de todos os vitorianos. O Moreno sentiu que precisava de sair, foi uma decisão só dele. Após o afastamento da Conference League, logo na primeira eliminatória, protegemo-lo, ficámos ao lado dele, mas depois percebemos a sua perspetiva e que o caminho era a saída. Deixou-me triste a sua saída, mas tenho a certeza de que fará uma grande carreira. Merece”.

A opção por Paulo Turra: “Não temos de seguir qualquer matriz em relação aos treinadores. Temos é que tomar decisões e acreditar nelas. O Paulo Turra tem grande capacidade de liderança, é imune à pressão e conhece bem o Vitória. Foi jogador do clube e por isso sabia perfeitamente que ambiente iria encontrar. Conhece as ondas emocionais do clube. Por outro lado, tem um currículo muito forte. Foi treinador do Athletico Paranaense, um dos clubes que mais trabalha na formação, na área da fisiologia e das métricas. São áreas que privilegiamos no sentido de melhorar as performances dos atletas. Há 20 anos que o conheço, fui inclusivamente responsável pela sua contratação para o Vitória SC quando ele ainda era jogador. Nunca deixámos de falar e, mesmo sendo uma opção arriscada, como são todas, percebi que faria sentido para o Vitória SC. Acreditamos muito nele. Tem sido um prazer vê-lo trabalhar nos últimos 15 dias. Quanto a ser brasileiro, mexicano ou argentino, não importa. O futebol é universal. O Paulo Turra foi uma decisão muito pessoal e acredito que vai correr muito bem”.

A centralização dos direitos televisivos: “O futebol português precisa de uma distribuição diferente dos direitos televisivos. Não faz sentido a forma como as coisas estão organizadas neste momento. A diferença de valores é muito grande em relação aos chamados três grandes. E o Vitória SC é um clube grande, precisa de ter mais rendimentos. Até ao fim do meu mandato, o clube não poderá receber um único euro dos direitos televisivos. É muito importante que a Liga exerça um controlo financeiro sobre os clubes. Isso é essencial. Não se pode permitir que uma direção de um clube, seja ele qual for, antecipe três ou quatro anos de direitos televisivos. Isso não pode acontecer. Muitas coisas devem mudar no futebol português, incluindo a arbitragem. Há vários motivos para os chamados três grandes andarem frequentemente pelos primeiros lugares”.

As arbitragens: “Sentimos diferença [para os três chamados grandes]. Isso é indiscutível. O Vitória SC é grande e o que mais queremos, nós ou as próximas direções, é que o clube seja campeão nacional um dia. Tem de haver um crescimento de forma sustentada. Nesta altura, há grande assimetrias que precisam de ser trabalhadas para que o futebol ofereça melhores espetáculos”.

As frustrações que leva para casa: “É horrível. Há uma coisa que tenho de meter na cabeça: não podemos ganhar todos os jogos… Mas eu quero ganhar sempre quando vamos para um jogo. Se perdermos um jogo ao sábado, é certinho que o domingo e o resto da semana estão estragados. Afeta a minha vida pessoal. Quando ganhamos, a semana seguinte corre sempre melhor. Os jogadores estão mais contentes, toda a estrutura funciona de outra forma. Os órgãos sociais ficam mais contentes, os adeptos também… Quando defrontámos em casa o Celje, e esse jogo ainda me provoca tremores, estava com os meus filhos no Algarve. Voltei para lá logo após esse jogo e não conseguia sequer abrir a boca nos dois dias seguintes. Foi um soco. Queria falar de outras coisas, mas pesava muito. Foi difícil. Gosto muito mais de ganhar”.

Beber um copo com um jogador é possível? “Não, eu tenho um cargo. Há o António que um dia deixará o Vitória SC e que continuará a ser o mesmo; por outro lado, há uma pessoa com responsabilidade perante os sócios e o clube. Criam-se relações de frontalidade, mas não posso dizer que são de amizade. São muitos jogadores e não pode haver diferenças. Queremos tratá-los bem, a todos, somos corretos com todos. Mas existem limites que não se podem quebrar. Só quando acontecem grandes vitórias, mas com a equipa. Isso até deve acontecer. Devo ser igual para todos. Queremos muito ter festas em grupos e isso aconteceu na época passada, quando nos qualificámos para a Europa. Fizemos uma grande festa, que, entretanto, já foi estragada pela eliminação. Para o ano, voltaremos lá. O ambiente, de resto, é muito bom. Gosto muito de assistir aos treinos. Olhe, por vezes basta-me assistir a uma hora de treino, àquela beleza toda, para ganhar ânimo para enfrentar os problemas do clube. Gosto muito de futebol e de desporto, e o Vitória SC é um clube eclético, com diversas modalidades. Também me dá prazer ver o polo aquático ou o andebol. Por tudo isto, é uma responsabilidade grande ser presidente do Vitória SC”.

O futuro do Vitória SC: “Todos os dias quero um Vitória mais forte. Devemos ter sonhos grandes. Se me dissessem que esta época seríamos campeões, ficaria logo todo o contente. Quero sempre acreditar que é possível ganhar todos os jogos dentro de um ano ou dois. Só que o problema financeiro do Vitória SC é grave. Estamos a recuperar e não é fácil porque um clube como o Vitória SC tem de continuar a investir para crescer. Com a centralização dos direitos televisivo e o plano de gestão que temos vindo a cumprir, acredito que a médio prazo estaremos mais vezes lá em cima. É para aí que nós caminhamos”.