Depois de um longo processo sobre um eventual “auxílio de Estado”, Bruxelas interroga agora o Governo sobre os contratos celebrados entre o Governo e a EDP, em 2007, sem concurso público
O Governo tem até ao final de setembro para explicar à Comissão Europeia uma questão difícil: de que forma é que justifica que um Executivo anterior (o de José Sócrates, em 2007) tenha acordado diretamente com a EDP a renovação dos contratos de exploração de 27 barragens, sem qualquer tipo de concurso público.
A direção-geral do Mercado Interno informou Nuno Brito, o representante permanente de Portugal junto da União Europeia, de que os serviços da Comissão precisam de esclarecimentos que contrariem uma “avaliação preliminar”, negativa. Olhando para a lei do Domínio Público Hídrico, o decreto-lei 226-A/2007, a Comissão encontra um problema: “Com efeito, trata-se de atribuir às autoridades adjudicantes e aos concessionários a possibilidade de modificar os contratos em questão apenas com base num acordo entre as duas partes. Essa possibilidade não parece justificar as modificações dos contratos à luz dos princípios do Tratado e também não cumpre nenhuma das situações em que a modificação dos contratos de concessão é possível.”
Segundo a mesma carta, a lei Europeia “obrigava as autoridades portuguesas a seguir um procedimento de concurso”, para prolongar os contratos das barragens. Por isso, esclarece a Comissão, a decisão do Governo Sócrates, delineada pelo ministro da Economia Manuel Pinho, levanta “sérias dúvidas quanto à sua compatibilidade com o direito europeu em matéria de contratação pública”.
Ao atual Governo Bruxelas pede, agora, “os argumentos e a fundamentação jurídica” que levaram o Executivo de 2007 a tomar a decisão que tomou. Muito concretamente, os “elementos de clarificação e justificação” que permitam explicar por que razão as barragens foram concessionadas à EDP sem concurso.
Este argumento que Bruxelas agora invoca não é novo. O ex-presidente do regulador da energia, a ERSE, já o tinha usado no seu depoimento perante os deputados da comissão de inquérito que investiga as rendas do setor. Vítor Santos afirmou no Parlamento que a concessão das barragens à EDP tinha esse problema inicial: “Não era impossível fazer aquilo que foi feito pelo Governo na altura, mas a ser feito era necessário que tivesse existido um concurso público”, considerou o antigo regulador, acrescentando que “o concurso público seria obrigatório”.
A comissária da Concorrência, Margreth Vestager, em maio de 2017, concluiu que “a medida que confere à EDP o direito a explorar centrais hidroelétricas por um período alargado mediante o pagamento de um montante de 704 milhões de EUR não preenche todas as condições cumulativas do artigo 107.o, n.o 1, do Tratado, pelo que não constitui um auxílio estatal.” Mas Bruxelas ainda não fechou o dossiê das barragens, que também está a ser avaliado no Parlamento e investigado pelo Ministério Público.