Aznavour morreu esta segunda-feira, aos 94 anos. Recorde a vida do cantor de “La Bohème”, que largou a escola aos 9 anos, teve uma “amizade amorosa” com Amália e vendeu mais de 100 milhões de discos.
Ao longo da duradoura carreira musical, Charles Aznavour gravou mais de mil canções em sete línguas diferentes, refere o jornal francês Le Firago. Atuou em 94 países e vendeu mais de 100 milhões de discos, tendo participado como ator em mais de 60 filmes, entre os quais “Disparem Sobre o Pianista”, do grande realizador francês François Truffaut.
Tendo mantido ao longo da vida reservas sobre a sua vida pessoal, Aznavour deixou seis filhos. Casou-se por três vezes, mas o último casamento foi, de longe, o mais duradouro: estava casado com Ulla Thorsell, com quem teve três filhos, há 50 anos.
A carreira precoce e a (difícil) ascensão
Filho de imigrantes arménios, Charles herdou do pai, Michael Aznavourian, o talento para o canto. Aznavourian cantava em restaurantes franceses para ganhar a vida e Charles Aznavour cedo seguiu as pisadas do progenitor: com apenas nove anos deixou a escola e começou a cantar e tocar violino com regularidade pelas ruas. Tinha acabado de atingir a maioridade quando a grande voz feminina da canção francesa, Édith Piaf, o ouviu. Piaf demorou pouco tempo a levar Aznavour consigo em digressão durante dois anos, para um conjunto alargado de concertos em França e nos Estados Unidos da América. Pouco antes, Charles Aznavour tinha-se lançado num duo musical com o compositor de jazz Pierre Roche.
A sombra de Édith Piaf, contudo, atrasou a afirmação de Charles Aznavour como cantor. Refere o Le Figaro que, durante vários anos, Aznavour era na maior parte do tempo motorista, telefonista e técnico de som e luzes. Ocasionalmente, era chamado a palco por Piaf para apresentar uma ou outra canção original que tivesse escrito, quase sempre sem grande impacto. Tanto assim era que Aznavour terá ouvido de Piaf que dificilmente se tornaria um cantor de referência.
Foi já depois de ter ultrapassado os 30 anos que Charles Aznavour se aproximou do estrelato. 1955 e 1956 foram anos decisivos para a ascensão de Aznavour: no primeiro, gravou “Parce que” e “Viens au creux de mon épaule”, entre outras canções, mas sofreu também um grave acidente de carro, que o deixou vários meses fora dos palcos. Em 1956, o regresso deu-se com pompa e circunstância, com a gravação do seu primeiro grande êxito nacional, “Sur Ma Vie” — o primeiro tema a ascender à liderança dos singles mais ouvidos em França — e com a primeira atuação na emblemática sala de concertos francesa Olympia.
França, contudo, ainda não estava conquistada: as críticas ao regresso do cantor depois desse grave acidente foram negativos, com a voz e registo musical de Charles Aznavour a serem colocados em causa apesar da popularidade do cantor. Um concerto em 1960, na reputada sala de concertos Alhambra, tornou-se quase mítico por ter iniciado a aclamação de Aznavour em França e, posteriormente, em todo o mundo.
Mais, aliás, do que o concerto no Alhambra, o que virou o jogo foi uma canção aí cantada. “Je m’voyais déjà”, sexto tema a ser interpretado por Charles Aznavour nesse concerto, deu ao cantor a aclamação definitiva, com (rezam as crónicas de então) o público rendido e a aplaudir vigorosamente. Quem esteve presente nesse espetáculo dificilmente terá esquecido os versos dessa canção, em que Aznavour lamentava as más críticas mas já profetizavam o sucesso:
“D’autres ont réussi avec un peu de voix mais beaucoup d’argent
Moi j’étais trop pur ou trop en avance
Mais un jour viendra je leur montrerai que j’ai du talent”.