O Tribunal de Guimarães condenou hoje a três anos e quatro meses de prisão, com pena suspensa, os membros da Junta de Ferreiros, Póvoa de Lanhoso, entre 2013 e 2021, pela adjudicação indevida de obras ao marido da presidente.
A presidente, a secretária e o tesoureiro da junta foram condenados por um crime de prevaricação de titular de cargo político, ficando ainda proibidos do exercício de qualquer cargo político pelo período de cinco anos.
Os arguidos terão ainda de pagar, solidariamente, ao Estado, 50.768 euros, o valor das adjudicações feitas ilegalmente ao marido da presidente da Junta.
Segundo o tribunal, os três membros da junta decidiram, a partir de 2014 e de comum acordo, convidar o marido da presidente a contratar com a autarquia, dirigindo-lhe, por escrito ou pessoalmente, em nome da junta, convites, no âmbito de procedimentos adjudicatórios de empreitada de obras públicas, por ajuste direto.
Foram adjudicadas ao marido da presidente cerca de dezena e meia de obras.
Em 2016, o presidente da Assembleia de Freguesia interpelou a Junta sobre a legalidade destas adjudicações, o que levou a presidente da Junta a dirigir um ofício à Direção-Geral das Autarquias Locais, solicitando informação acerca do assunto.
A Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDRN) respondeu, dando conta de que os titulares de órgãos da administração pública e os respetivos agentes, bem como quaisquer outras entidades que, independentemente da sua natureza, se encontrem no exercício de poderes públicos, não podem intervir em procedimento administrativo ou em ato ou contrato de direito público ou provado da administração pública, quando, por si ou como representantes ou gestores de negócios de outra pessoa, nele tenham interesse o seu cônjuge ou pessoa com quem viva em condições análogas às dos cônjuges”.
“Se a presidente tiver intervindo em qualquer fase do processo conducente à adjudicação das obras da Junta de Freguesia ao seu marido, os referidos atos ou contratos encontram-se feridos de anulabilidade”, acrescenta a CCDRN.
No entanto, e apesar deste parecer, a Junta continuou a fazer adjudicações ao marido da presidente.
Segundo o tribunal, a presidente “nunca se absteve de participar, e participou, em tais procedimentos adjudicatórios, nomeadamente nas decisões referentes à abertura dos procedimentos adjudicatórios, à escolha dos tipos de procedimento legalmente previstos e ainda da escolha das entidades a quem eram dirigidos os convites a contratar”.
“Para dissimular tal atuação, dando a aparência de que a arguida Carla Ferreira [presidente] não havia participado em quaisquer atos procedimentais ou definitivos em que interviesse o seu cônjuge, de comum acordo, e em conjugação de esforços, [os arguidos] fizeram constar nas atas das reuniões ordinárias da Junta de Freguesia que os atos adjudicatórios eram decididos, apenas, pelo tesoureiro, embora soubessem que as deliberações da Junta de Freguesia são tomadas à pluralidade dos votos, não o podendo ser apenas pelo tesoureiro”, acrescenta o acórdão.
Para o tribunal, os arguidos agiram em comunhão de esforços e na execução de um plano por todos delineado, com propósito de conferirem vantagens económicas ilegítimas” à presidente e ao marido, “bem sabendo que não o podiam fazer”.
Violavam, assim, “normas jurídicas e os deveres inerentes ao cargo político que desempenhavam”.
“Agiram os arguidos mediante um plano orquestrado e levado a cabo, de comum acordo e em conjugação de esforços, por todos congeminado e querido, que protelaram todo o tempo, de forma deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei”, acrescenta.
Em tribunal, a presidente da Junta alegou que, até ao parecer da CCDRN, desconhecia em absoluto que não podia intervir em qualquer procedimento administrativo, ato ou contrato em que tivesse interesse o seu cônjuge.
Disse ainda estar convencida de que, para respeitar o impedimento posteriormente comunicado pela CCDRN, lhe bastava não intervir nos procedimentos relativos às obras que eram assumidos apenas pelo tesoureiro.
Para o tribunal, estas declarações são contrariadas “pelo mais elementar sentido comum de transparência e objetividade, e ainda mais pela experiência política da presidente.
“Impõe-se mesmo sublinhar alguma temeridade no que foi dito perante o tribunal. É evidente que se até para o cidadão comum vem imediatamente à ideia que o administrador do interesse público não pode misturá-lo com os seus próprios, nem com o dos seus próximos, os arguidos, eleitos locais, não podiam ignorá-lo, nem nunca ignoraram”, refere o acórdão.