Violência de grupo neonazi contra ator da companhia A Barraca levanta ondas de solidariedade e críticas à omissão da ameaça da extrema-direita no RASI

O ator Adérito Lopes, da companhia de teatro A Barraca, foi brutalmente agredido na passada terça-feira, 10 de junho, em Lisboa, por elementos ligados à extrema-direita, quando se dirigia para o espetáculo de homenagem a Luís de Camões, Amor é um fogo que arde sem se ver. A agressão, ocorrida cerca das 20h00 no Largo de Santos, resultou em ferimentos no rosto e levou o artista ao hospital, onde recebeu pontos. O Ministério Público confirmou já a abertura de um inquérito para investigar os factos.

Segundo a Polícia de Segurança Pública (PSP), um suspeito de 20 anos foi intercetado nas imediações, após diligências baseadas nas descrições fornecidas pela vítima e por uma testemunha. A violência terá sido perpetrada por indivíduos associados ao grupo neonazi Blood & Honour, cuja menção foi removida da versão final do Relatório Anual de Segurança Interna (RASI), facto que gerou forte polémica política.

Reações políticas e exigência de debate urgente

O Bloco de Esquerda (BE) exigiu um debate parlamentar urgente sobre o RASI, com a presença do Governo, acusando o executivo de não dar a devida atenção à ameaça crescente da extrema-direita. A líder bloquista Mariana Mortágua afirmou que os “neofascistas atacam a cultura porque se sentem impunes” e responsabilizou diretamente o Governo por “apagar” a referência a estes grupos do relatório de segurança.

Também o secretário-geral do PCP, Paulo Raimundo, defendeu que a omissão no RASI “terá de ser retificada”, enquanto o deputado António Filipe reforçou o apelo ao fim da “impunidade destas associações criminosas”. O Livre e o PAN apresentaram votos de condenação no Parlamento, classificando a agressão como um atentado aos valores democráticos e à liberdade de expressão.

Governo sob críticas e silêncio de Montenegro

Apesar da gravidade do incidente, o primeiro-ministro Luís Montenegro manteve-se em silêncio até ao momento. Questionado, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, minimizou a ausência de declaração do chefe do Governo, afirmando que “não há razão para polémicas”, uma vez que a ministra da Cultura, Margarida Balseiro Lopes, já havia condenado publicamente o ataque.

Esta posição foi contestada por várias figuras políticas, incluindo José Luís Carneiro (PS), que apelou a uma “palavra de tranquilidade” por parte das autoridades, sublinhando que “o silêncio não pode ser cúmplice”.

Presidente da República e líderes institucionais repudiam ataque

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, manifestou solidariedade com a companhia A Barraca e recordou que “em Democracia há e tem de haver liberdade de pensar e exprimir o pensamento, de forma plural e sem censura”. O presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco, exigiu “tolerância zero à intolerância”, enquanto o presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, considerou o ataque “inadmissível” e “um atentado à cultura e identidade da cidade”.

Apoio da sociedade civil e condenação internacional

A agressão a Adérito Lopes ultrapassou fronteiras, tendo sido noticiada pela agência Reuters, que destacou o crescimento da extrema-direita em Portugal e os efeitos na vida cultural e política do país. A União Europeia também já manifestou preocupação com o aumento do discurso de ódio.

Para domingo, 15 de junho, estão marcadas concentrações de solidariedade em Lisboa e no Porto, sob o lema “Não queremos viver num país do medo”. A iniciativa é promovida por várias associações e estruturas artísticas, como a SOS Racismo, Plateia, Palmilha Dentada e Artistas Unidos, entre outras.

A agressão violenta a um ator no exercício da sua liberdade artística e a tibieza institucional na resposta imediata ao caso estão a catalisar um debate mais amplo sobre a visibilidade e combate às ameaças da extrema-direita na sociedade portuguesa. O palco agora é político — e a sociedade civil não está disposta a deixar cair o pano.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here